16 de fevereiro de 2022 | 03h00
Uma jovem jornalista precisando de emprego, mas só encontrando as portas fechadas, decide dar a cartada final depois de pouco mais de três meses em Nova York e quase nenhum dinheiro. Ela consegue convencer os seguranças do prédio onde ficava o jornal New York World a deixá-la subir e, lá, consegue ser atendida pelo editor-chefe.
Ela se oferece a embarcar na terceira classe de um navio europeu rumo aos Estados Unidos para depois escrever sobre a experiência do imigrante na chegada ao país. O editor não gosta da sugestão, diz que ela é inexperiente para a pauta (não era; já tinha sido correspondente no México), mas pergunta se ela estaria disposta a se internar no Hospício de Alienados de Blackwell’s Island. Havia indícios de que as pacientes sofriam maus-tratos. Nellie Bly, que era como Elizabeth Jane Cochrane assinava, aceitou na hora e começou a traçar seu plano.
Tudo isso, é preciso dizer, aconteceu em 1887.
E a história que ela testemunhou, que não se difere muito de outras ocorridas em diferentes lugares até não muito tempo atrás, está relatada em Dez Dias Num Hospício, lançado no Brasil no ano passado, pela Fósforo, com as reportagens que o jornal publicou – elas deram fama para Nellie (1864-1922), uma pioneira do jornalismo investigativo, e iniciaram uma série de melhorias na instituição. Porque o que ela nos mostra é o retrato do horror.
Além de denunciar a precariedade com que seres humanos eram tratados na ilha, que servia mais como uma prisão do que como um lugar de tratamento e cura, Nellie expôs o descaso de médicos e juízes com relação às mulheres. Aos 23 anos, ela conseguiu, de certa forma, convencer, e não foi difícil, profissionais de que precisava de atendimento psiquiátrico.
Primeiro ela se hospeda em um abrigo temporário. Arruma uma leve confusão. A polícia é chamada. Ela é examinada, julgada. Próxima parada: a ala psiquiátrica do Bellevue Hospital. Depois de outras avaliações, recebe o diagnóstico (“louca, sem dúvida nenhuma”) e a sentença (internação involuntária no “hospital de alienados”).
Uma vez lá dentro, ela não fingiu mais nada. Insistia em sua sanidade, tentava ajudar as outras mulheres. “Por incrível que pareça, quanto mais eu agia e falava com lucidez mais louca me consideravam”, escreve. Viveu ao lado de mulheres que precisavam, sim, de atendimento e de outras tão sãs quanto ela que foram injustamente mandadas para lá e que depois de comer comida intragável e estragada, de dividir a água da banheira, toalha e pente com outras 45 pacientes do andar (deviam ser 1.300 mulheres ao todo), de carregarem no pescoço as marcas das mãos das enfermeiras, realmente enlouqueceram.
Autora: Nellie Bly
Trad.: Ana Guadalupe
Editora: Fósforo (112 págs.; R$ 49,90; R$ 29,90 o e-book)
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