Um autor versátil

João Ubaldo Ribeiro deixa uma obra premiada e destacada em todos os gêneros

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Por Ubiratan Brasil
Atualização:
Morre no Rio, aos 73 anos, o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro Foto: Fabio Motta/ Estadão

O advogado Manuel Ribeiro foi um homem austero e assim educou seu filho mais velho, o escritor e cronista do Estado João Ubaldo, morto na madrugada desta sexta-feira, 18. Apesar da severidade paterna, os conselhos foram úteis para a formação do garoto, que não só os aplicava como utilizava como fonte de inspiração. "Meu pai defendia a dignidade humana, a liberdade e a igualdade de direitos e deveres. São apenas palavras de um pai que quer educar seu filho dentro dos princípios que acata e considera eticamente fundamentados", disse ele, em entrevista ao Estado, em 2011.  Ensinamentos que foram fundamentais, desde a meninice. João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro nasceu no dia 23 de janeiro de 1941, na Ilha de Itaparica, na Bahia, local que se tornou mítico graças à sua escrita. Seu pai, por ser professor, não admitia a possibilidade de ter um filho analfabeto e João iniciou seus estudos com um professor particular, em 1947. Alfabetizado, foi matriculado no Instituto Ipiranga, em 1948, ano em que leu muitos livros infantis, principalmente de Monteiro Lobato. O pai de João sempre foi exigente, o que fez o garoto se empenhar intensamente nos estudos. O rigor era tamanho que João Ubaldo era obrigado a prestar contas ao pai, diariamente, sobre os textos que havia lido e algumas vezes era obrigado a resumi-los e traduzir alguns de seus trechos. Seu pai era chefe da Polícia Militar, e nessa época, passa a sofrer pressões políticas, o que o faz transferir-se com a família para Salvador. Na capital baiana, João Ubaldo matriculou-se, em 1955, no curso clássico do Colégio da Bahia, conhecido como Colégio Central, onde conheceu seu colega Glauber Rocha. Em 1958, iniciou seu Curso de Direito na Universidade Federal da Bahia.

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Em 1964, João Ubaldo seguiu para os Estados Unidos, graças a uma bolsa de estudos conseguida junto à Embaixada daquele país, para fazer seu mestrado em Ciência Política na Universidade da Califórnia do Sul.

Na escrita, estreou primeiro como jornalista, em 1957, trabalhando como repórter do Jornal da Bahia, transferindo-se depois para a Tribuna da Bahia, no qual chegou a ser editor-chefe. Ao lado de Glauber, editou ainda revistas e publicações culturais, além de participar do movimento estudantil, em 1958.

No ano seguinte, estreou na literatura ao participar da antologia Panorama do Conto Baiano, com o texto Lugar e Circunstância. A carreira de romancista começou em 1963, com Setembro Não Faz Sentido, que foi prefaciado por Glauber Rocha e apadrinhado por Jorge Amado. "Há muito tempo, não reconheço tão de imediato um verdadeiro romancista e certamente um romancista que irá longe pois seu livro não é aquela celebrada estreia de quem tem algo a contar, uma boa história única e jamais repetida e, sim, a estreia de um ficcionista no começo de seu trabalho criador", escreveu Amado, em artigo publicado no Jornal do Brasil, em 1968.

A Editora Civilização Brasileira lança, em 1971, o romance Sargento Getúlio, que lhe garantiu o Prêmio Jabuti de 1972, na categoria revelação. Segundo a crítica da época, o livro contém o melhor de Graciliano Ramos e o melhor de Guimarães Rosa. O livro inspirou o filme de mesmo título, dirigido por Hermano Penna, em 1982, e estrelado por Lima Duarte.

Dois anos depois, retorna aos contos com Vencecavalo e o Outro Povo, cujo título inicial era A Guerra dos Paranaguás. Nessa época, João Ubaldo já fazia ele mesmo a tradução de seus livros, especialmente para o inglês - foi o caso de Sargento Getúlio, publicado nos EUA em 1978, quando recebeu boa receptividade pela crítica.

Em 1982, iniciou o romance Viva o Povo Brasileiro (intitulado primeiramente como Alto Lá, Meu General), que logo se tornou um de seus principais romances. O livro foi publicado em 1984, faturando o Prêmio Jabuti na categoria "Romance" e o Golfinho de Ouro, do Governo do Rio de Janeiro. Grande afresco histórico, aqui João Ubaldo constrói um segundo Brasil, voluntariamente não oficial, que se monta à margem da historiografia "autorizada".

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Em 1983, estreou na literatura infanto-juvenil com o livro Vida e Paixão de Pandonar, o Cruel. Em 1989, lançou o romance O Sorriso do Lagarto. Sua segunda experiência na literatura para jovens aconteceu em 1990, com o livro A Vingança de Charles Tiburone.

No início da década de 1990, residiu em Berlim durante um ano, a convite do Instituto Alemão de Intercâmbio, escrevendo para o jornal Frankfurter Rundschau e produzindo peças radiofônicas. Em seu retorno ao Brasil, iniciou a colaboração no jornal O Estado de S. Paulo.

Eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 1993, finalizou no ano seguinte a adaptação cinematográfica do romance de Jorge Amado, Tieta do Agreste (1977). Atuou na cobertura da Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, como enviado especial dos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo. Também participou das feiras do livro de Frankfurt, na Alemanha, país onde detinha, desde 1996, uma cátedra na Universidade de Tubigem, e lançou o livro de crônicas Um Brasileiro em Berlim (1995).

No final dos anos 1990, publicou o romance O Feitiço da Ilha do Pavão (1997), coletânea de artigos publicados nos jornais O Globo e Estado, Arte e Ciência de Roubar Galinha (1999), e o sucesso de vendas A Casa dos Budas Ditosos (1999). É um dos escritores escolhidos pelo jornal francês Libération para dar um depoimento sobre o novo milênio. Também nessa época, escreveu, em parceria com o cineasta Cacá Diegues, o roteiro do filme Deus é Brasileiro, baseado no seu conto O Santo que Não Acreditava em Deus

Em virtude de sua atuação literária, recebeu, em 2008, o Prêmio Camões, mais alta distinção para os escritores representantes da língua portuguesa.

No ano passado, participou novamente da Feira de Frankfurt, na qual debateu, ao lado de João Almino, sobre a capital brasileira. Ubaldo disse que se sentia "péssimo" em Brasília - não por conta da população ordeira que mora lá, mas pela "população desordeira e parasitária que mora lá, na esfera política".

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