Toni Morrison, prêmio Nobel de Literatura, morre aos 88 anos

Escritora americana, autora de 'Amada', foi a primeira mulher negra a ser escolhida como Prêmio Nobel de Literatura, em 1993

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Por Ubiratan Brasil e Guilherme Sobota
4 min de leitura

A escritora e prêmio Nobel de Literatura Toni Morrison morreu nesta segunda-feira, 5, aos 88 anos. A autora de Amada e outros livros morreu no Montefiore Medical Center, em Nova York, depois de uma breve doença, segundo comunicado da família divulgado pela editora Alfred A. Knopf. Uma porta-voz informou que a causa foram complicações de uma pneumonia.

"Toni Morrison morreu em paz, ao lado da família e de amigos", diz a nota da família da escritora. "A autora completa que tinha em alta conta a palavra escrita, seja dela mesma, dos seus estudantes ou de outros, ela lia vorazmente e quando escrevia, ficava a maior parte do tempo em casa. Apesar de sua passagem representar uma perda tremenda, estamos gratos que ela teve uma vida longa e bem vivida."

Morrison era mais conhecida pelo romance Amada, que lhe rendeu o Pulitzer de ficção em 1988. Jazz (1992) e Paraíso (1997) completaram uma espécie de trilogia. Mas mesmo antes de sua conclusão, em 1993, lhe foi atribuído o Prêmio Nobel de Literatura, transformando-a na primeira mulher negra a ser escolhida para a distinção. Segundo o comitê da Academia Sueca, o prêmio foi dado a Morrison, uma escritora "que, em romances caracterizados por força visionária e e teor poético, dá vida a um aspecto essencial da realidade americana".

A escritora vencedora do Nobel Toni Morrison no documentário 'The Pieces I Am', de Timothy Greenfield-Sanders. Foto: Magnolia Films

Em 2015, ela publicou seu último romance, o décimo primeiro, intitulado Deus Ajude Essa Criança (9 de seus livros foram publicados no Brasil pela editora Companhia das Letras).

Antes de se tornar uma autora conhecida mundialmente, Morrison trabalhou como editora para a Random House por 19 anos, revelando uma geração de escritores como Angela Davis, Gayl Jones e Toni Cade Bambara. Ela também foi professora da Universidade de Princeton entre 1989 e 2006.

Toni tornou-se famosa nos Estados Unidos por apresentar a história dos afro-americanos (por ser uma, ela se sentia no direito de usar a expressão “negros”) não apenas como figuras determinantes na construção do país, mas principalmente como alvo de uma segregação que ainda se impõe, mesmo que de forma mais velada. 

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Nascida em 1931 como Chloe Anthony Wofford (adotou o pseudônimo por considerar seu primeiro nome de difícil pronunciação) na cidade de Lorain, Ohio, Toni foi obrigada ainda pequena a se mudar com os pais para o norte dos EUA, para escapar dos problemas raciais do sul. A situação marcou profundamente a formação e tornou sua obra um exemplo de histórias em que a cor da pele dos personagens é determinante. 

Ao longo dos anos, desenvolveu uma prosa seca, direta, desprovida de dramalhões, e com uma ponta, ainda que pequena, de otimismo. Habituou-se ainda a tratar de temas fortes em sua ficção, como pedofilia, prostituição, preconceito racial. Por isso, ganhou o prêmio Nobel de Literatura em 1993, tornando-se a primeira mulher negra a ser honrada com a premiação.

Em 2006, Toni veio ao Brasil, onde participou da 4ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip. Foi a mesa mais concorrida daquele evento. Durante a conversa, revelou seu desconforto com o rótulo de representante da literatura negra e feminina – chegou a mudar bruscamente de assunto, respondendo ter ficado feliz com o Nobel de Literatura, o que arrancou risos da plateia.

Toni foi incisiva, na Flip, ao citar a carga de 250 anos de escravidão, garantindo que pretendia tornar a realidade da comunidade afro-americana em algo bonito, mas “palatável”.

Em 2005, em entrevista exclusiva ao Estado, Toni explicou o motivo da presença constante de mulheres lascivas em sua prosa: “Uma mulher 'sem-lei' ou 'fora da lei' apresenta um rico território para se examinar uma cultura. E sempre foi um terreno fértil na literatura: Antígona, Hester Prynne (de A Letra Escarlate, de Nathaniel Hawthorne), Medeia, Sylvia Plath, Emma Bovary, Anna Karenina – eu poderia continuar citando infinitamente”.

Ao escrever sobre negros, a autora americana garantiu que não utilizava dados biográficos. “Cada um dos meus romances tem sido um esforço de examinar outras percepções, comportamentos contraditórios, o impacto do racismo ‘legalizado’ e contínuo contra aqueles que insistiram em resistir, sobreviver e triunfar. Algumas daquelas estratégias funcionam; outras falham”, disse.

Toni via também uma dificuldade em dissociar arte da política. “A arte determinada a ser apolítica é algo meramente favorável a manter o status quo, portanto, acaba agindo como algo político de qualquer forma”, disse. “O debate completo sobre arte política versus não política é algo não apenas político, como também relativamente novo. Afinal, quem teria questionado sobre isso a respeito de Shakespeare, Tolstoi ou qualquer outro antes de 1939 e a eclosão da guerra?”

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E a escritora americana revelou ser conhecedora da literatura brasileira. “A indiferença dos editores norte-americanos em traduzir livros de outros países é notória. Apenas conhecemos alguns poucos. Mas já li Jorge Amado, Nélida Piñon, Clarice Lispector e Rubem Fonseca. Atualmente, há um incentivo maior (graças ao Pen e seus prêmios literários) para aumentar o número de traduções de todas as partes do mundo. O que certamente é um alívio para nossa impenetrável estupidez.”

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