‘Solo para Vialejo’, vencedor do Prêmio Jabuti, é um épico ambicioso

Livro da poeta pernambucana Cida Pedrosa é um poema de moldes épicos, que conjuga influências neoconcretas com memórias coletivas e pessoais; Jabuti premiou obras que tratam de temas como feminismo e racismo

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Por Guilherme Sobota
Atualização:
4 min de leitura

Com anos e anos de uma carreira literária consolidada, indicações para diversos prêmios e vitórias, a poeta pernambucana Cida Pedrosa (1963) venceu na noite de quinta-feira, 26, a categoria de livro do ano do Prêmio Jabuti 2020. Solo para Vialejo – publicado pela Cepe Editora, empresa de economia mista do Recife, cujo trabalho a distinção também consagra. O livro é um poema de moldes épicos, que conjuga influências neoconcretas com memórias – coletivas e pessoalíssimas da escritora – num projeto ambicioso de reconstrução de identidades.

A cerimônia transmitida pela internet foi apresentada pela jornalista Maju Coutinho, e Cida entrou na conexão após o anúncio do prêmio. “Este é um livro sobre nossas negritudes várias, nossas indigenices várias, nossas branquitudes, em busca da música, em busca de mim e das minhas raízes sertanejas”, disse a escritora, “respirando felicidade”.

Do mar para o sertão. Pernambucana Cida Pedrosa é consagrada por sua poesia Foto: Ana Siqueira

Natural de Bodocó, no Sertão do Araripe pernambucano, Cida se mudou para o Recife ainda jovem para estudar, se formou advogada e construiu uma carreira no direito como militante em defesa de direitos civis, direitos dos trabalhadores e de bandeiras feministas. Paralelamente, na literatura, fez parte do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco na década de 1980, quando se envolveu com os poetas ditos marginais e fez recitais nas ruas. Na década de 1990, também fez o grupo Vozes Femininas, e nos anos 2000 consolidou sua carreira de lançamentos editoriais em livros como As Filhas de Lilith (2009), Claranã (2015) e Gris (2018), seu primeiro pela Cepe. 

“Eu saí do sertão e fui em direção ao mar”, afirmou ainda Cida na transmissão. “Agora, com o livro, saí do mar para o sertão, é um livro da volta, uma migração oposta. As palavras e os sons da minha memória não cabiam mais na minha cabeça.”

Entre outros vencedores, estão Torto Arado, de Itamar Vieira Junior (Todavia), na categoria romance literário, Uma Mulher no Escuro, de Raphael Montes (Companhia das Letras), em romance de entretenimento, e o livro Futuro Presente: O Mundo Movido à Tecnologia (Companhia Editora Nacional), do engenheiro e blogueiro do Estadão Guy Perelmuter, na categoria ciências.

Jabuti premiou obras que tratam de temas como feminismo e identidade

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A vitória de Cida Pedrosa e do seu Solo Para Vialejo como livro do ano reforça uma tendência do Prêmio Jabuti de reconhecer o trabalho de editoras universitárias, públicas e independentes, as quais levaram poucol menos da metade das estatuetas. A Cepe – empresa de economia mista ligada ao governo estadual de Pernambuco, que lançou o livro – consolidou sua produção editorial cuidadosa, agora reconhecida por um dos prêmios mais importantes do País.

Solo Para Vialejo é como um épico lírico”, reflete o editor do livro, o também escritor Wellington Melo. “Dentro de uma certa tradição de reinaugurar o épico, a Cida o faz de uma forma muito feliz. Não se pode recuperar exatamente o ethos do clássico grego, mas pensando, é um poema com um movimento duplo: o de buscar a identidade de um povo, o brasileiro, mas ao mesmo o de buscar a própria identidade. Também nisso se cria uma dicotomia entre o lírico e o épico. Sou um editor à moda antiga.”

Trecho de 'Solo Para Vialejo'. Longo poema de Cida Pedrosa usa estética neoconcreta Foto: Cida Pedrosa/Cepe Editora

Outra tendência no Jabuti também foi identificada pelo escritor e crítico literário Cristhiano Aguiar. “As obras premiadas trazem ao centro do palco uma ampla discussão social, política e identitária”, diz ao Estadão. “Claro, cada obra premiada no conto, poesia e nas duas categorias de romance vai usar diferentes estratégias literárias para tratar dessas questões. É muito interessante perceber como a questão do feminino está presente inclusive nos romances de autoria masculina, como é o caso dos romances de Raphael Montes e Itamar Vieira Júnior.”

Aguiar também destaca a importância da escritora Cida Pedrosa para a cena cultural e social de Pernambuco – ele viveu no Recife por 11 anos, onde iniciou sua trajetória acadêmica. “Cida atuou na defesa do livro, da literatura e da poesia em Pernambuco ao longo das últimas décadas e esteve envolvida em eventos, publicações independentes e propostas de políticas públicas para a área do livro, da leitura e da literatura”, atesta o escritor – menos de duas semanas atrás, ela também foi eleita vereadora do Recife pelo PCdoB. 

Com os últimos 15 dias agitados, a escritora não esconde a felicidade. “A minha militância política e temática existe há muitos anos. Desde que me entendo de gente estou na luta pela democracia, pela justiça social. Eu junto tudo, a poesia que há mim fala com a minha atividade política.”

O prêmio na categoria inovação também está relacionado a essas tendências: quem levou foi a Festa Literária das Periferias, a Flup, que neste ano aconteceu de modo virtual com, entre outras iniciativas, um programa de formação sobre a obra de Carolina Maria de Jesus. “Digitalmente, pudemos trocar com o Brasil todo, compor um livro com escritoras negras de todos os Estados e investir ainda mais na intelectualidade da periferia”, celebrou a equipe.

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