PUBLICIDADE

Sátira sobre elite cultural dá o tom em novo romance de Clara Drummond

Em ‘Os Coadjuvantes’, autora faz caricatura de uma sociedade de castas a partir de um recorte do mundo da arte

Por Matheus Lopes Quirino
Atualização:

Clara Drummond tem um jeito mineiro de olhar as coisas ao redor, contar causos. Carioca, filha de portuguesa, ela mora em Lisboa desde 2018, foi-se embora depois da eleição de Bolsonaro. Aos 35 anos, confessa, tem estado cada vez mais atenta à pauta política, tema que se mostra presente nas entrelinhas de seu novo romance, Os Coadjuvantes, lançado no começo de abril pela Companhia das Letras.  Embora tenha sobrenome lustroso para a literatura brasileira, Clara não é parente de Carlos Drummond de Andrade, poeta mineiro cujo nascimento completa 120 anos em outubro. O elo entre os escritores, no entanto, está na melancolia, companheira da jovem que, desde muito criança, enfrentou uma pesada depressão e chegou a ser internada. Em Os Coadjuvantes, a protagonista, uma jovem rica que transita pela elite cultural do eixo Rio-São Paulo, Vivian tem uma história parecida com a de sua criadora. 

Mural de grafite dagaleria A7MA Foto: Werther Santana/Estadão

"Comecei a escrever em 2018, era um outro livro, com outra protagonista, que não vingou por ser muito moralista. Mas daquele manuscrito, essa história da depressão eu aproveitei, era para ser meio autobiográfico, mas eu mudei o foco quando veio a personagem Vivian”, conta a autora ao Estadão.  Influenciada por autoras que adentraram no mundo interior para falar da depressão de suas protagonistas, na literatura, como a personagem Esther Greenwood (A Redoma de Vidro), de Sylvia Plath, Clara dá voz a Vivian, uma jovem galerista na casa dos 30 anos que expõe os pecados de uma classe média detentora dos bens culturais, bem como a hipocrisia que cerca um jet set. 

A poeta Sylvia Plath lendo na biblioteca da universidade Foto: Knopf Books

Galerias de arte com pintores ególatras, empresários gananciosos e relações perigosas em amizades de fogo de palha. O frisson que Clara descreve é o frio na barriga que arrepia os alheios ao métier, uma sociedade de castas ao ar-condicionado das galerias. Ao arquitetar esta sátira burguesa, um episódio de violência contra uma ambulante faz Vivian questionar a si mesma, embora suas credenciais fiquem sempre em primeiro plano, aos outros, são eles os coadjuvantes. Como quando a protagonista está em um vernissage, ela pensa: “É toda uma existência tentando agradar a um grupo de pessoas incapazes de gerar qualquer afeto que não seja atravessado por dinheiro e poder”, escreve Clara Drummond.  Flashes, champanhe francês, DMT, botox, Prada, são esses elementos caros que viram registros caricatos, confessa a autora, que se baseou em histórias escutadas em seu entorno. “Sempre gostei de ouvir boas histórias, então algumas delas, esses absurdos maiores que estão no livro, acabei recriando a partir de causos contados por amigos, às vezes não era ninguém que eu realmente conhecia, mas podia ser um primo de um amigo em uma situação constrangedora numa festa ou em uma viagem de luxo, eu escrevia sobre e isso foi para o livro.” 

Asmática, a jornalista Karoliny Santiago sofre com os efeitos das queimadas em Palmas Foto: Lia Mara / ESTADÃO

PUBLICIDADE

Da menina de 15 anos que surta com medo de empobrecer e não comer no cinco estrelas Michelin de Nova York ao enrustido que acaba encontrando um dos amigos da filha em uma boate gay, Clara Drummond coleciona pérolas, perrengues chiques, desde sua estreia na literatura em 2013, com o romance A Festa É Minha e Eu Choro Se Eu Quiser.  Ao observar as dinâmicas sociais que os millennials elegem para viver, a autora traz um retrato da geração que se empenha, cada vez mais com as redes, em sair bem na foto. A escritora delineia inseguranças de uma classe abastada e o (alto) custo em manter uma imagem bonita à base de lágrimas, carão e likes. Crítica social, autocrítica, humor ácido são a base de Os Coadjuvantes. Se Vivian fosse uma mulher certinha, não teria graça. Segundo a autora, ela é perversa, mas o é porque a literatura permite. “A graça está no personagem ficcional, pois ele pode fazer coisas que não são socialmente aceitas, no caso da Vivian, não é nem a ação, ela pensa muito, julga.” 

“O humor é uma das questões mais importantes da minha vida, mas o humor tem um viés de tristeza, é paradoxal, tem aquela história do palhaço triste”, afirma a autora. Para ela, o humor torna a arte acessível às massas. “É um fenômeno comparado à filosofia por fazer você olhar as coisas como se fosse a primeira vez.”

SERVIÇO 

OS COADJUVANTES 

Publicidade

CLARA DRUMMOND

COMPANHIA DAS LETRAS 

112 PÁGINAS 

R$ 54,90 E R$ 29,90 (E-BOOK) 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.