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Salman Rushdie: ataque ao escritor recebe apoio e críticas no Irã

Moradores entrevistados pela AP relatam felicidade e satisfação ao tomar conhecimento do esfaqueamento do autor de 'Versos Satânicos', considerado blasfêmia pelo governo local; outros temem que caso torne o país ainda mais isolado

Por Nasser Karimi e Jon Gambrell
Atualização:

Iranianos estão reagindo com orações e preocupação quanto ao ataque do romancista Salman Rushdie - o alvo de um fatwa de décadas feito pelo ex-líder supremo Aiatolá Ruhollah Khomeini, pedindo por sua morte. Continua sem explicação o porquê de o agressor de Rushdie, identificado pela polícia como Hadi Matar, de Fairview, Nova Jersey, ter esfaqueado o autor enquanto ele se preparava para falar em um evento na sexta-feira, 12, na zona oeste de Nova York. O governo teocrático do Irã e sua mídia mantida pelo Estado não atribuíram nenhum motivo ao ataque. Mas em Teerã, alguns que toparam falar à Associated Press apoiaram o ataque visando o escritor que eles acreditam ter manchado a fé islâmica em seu livro de 1988 Os Versos Satânicos.

Salman Rushdie em foto tirada em Paris em 10 de setembro de 2018 Foto: Joel Saget/AFP

Nas ruas da capital do Irã, imagens do Aiatolá Khomeini continuam expostas enquanto as pessoas passam. "Eu não conheço Salman Rushdie, mas estou feliz em ouvir que ele foi atacado, já que ele insultou o islã", disse Reza Amiri, um entregador de 27 anos. "Esse é o destino para qualquer um que insulte santidades". Outros, porém, se preocuparam que o Irã se torne mais excluído do mundo enquanto as tensões sobre seu cambaleante acordo nuclear continuam altas.  "Eu sinto que quem fez isso está tentando isolar o Irã", disse Mashid Barati, professor de geografia de 39 anos. "Isso afetará negativamente as relações com vários países - até mesmo Rússia e China".  Khomeini, em más condições de saúde no último ano de sua vida, após o impasse na guerra entre Irã-Iraque, que dizimou a economia do país nos anos 1980, publicou a fatwa para Rushdie em 1989. O decreto islâmico veio durante violentas revoltas no mundo islâmico em relação ao romance, que alguns viram como blasfêmia, já que fazia sugestões sobre a vida do Profeta Maomé. "Eu gostaria de informar a todos os intrépidos muçulmanos no mundo que o autor do livro intitulado Versos Satânicos... Assim como aos publicadores que estavam cientes de seu conteúdo, estão a partir de agora sentenciados à morte", disse Khomeini em fevereiro de 1989, de acordo com a rádio Teerã. Ele acrescentou: "Qualquer um que o mate, ao fazer isso, será reconhecido como mártir e irá diretamente para o céu".  Mais cedo neste sábado, 13, a mídia estatal iraniana destacou um homem identificado como tendo sido morto enquanto tentava executar a fatwa. O libanês Mustafa Mahmoud Mazeh, que morreu quando um livro bomba que ele tinha explodiu antecipadamente em um hotel em Londres em 3 de agosto de 1989, 33 anos atrás.  Matar, o homem que atacou Rushdie na sexta, 12, nasceu nos Estados Unidos, com pais libaneses que imigraram do vilarejo sulista de Yaroun, contou o prefeito da cidade Ali Tehfe à AP. Yaroun se situa apenas a alguns quilômetros de Israel. No passado, os militares israelenses atacaram o que descreveram como posições da milícia Xiita apoiada pelo Irã, Hezbollah, na região.  Nas bancas de jornal neste sábado, 13, as manchetes de primeira página mostravam seus próprios palpites quanto ao ataque. O linha-dura Vatan-e Emrouz cobria o que descreveu como "uma faca no pescoço de Salman Rushdie". O jornal reformista Etemad perguntava: "Salman Rushdie perto da morte?". O conservador Khorasan trazia uma grande foto de Rushdie em uma maca, com a manchete: "Satan a caminho do inferno". Mas a 15ª Fundação Khordad, que pôs uma recompensa de 3 milhões por Rushdie, permaneceu em silêncio após o início da semana de trabalho. Funcionários recusaram a responder imediatamente à AP, repassando as questões a um oficial que não estava presente. A fundação, cujo nome se refere aos protestos de 1963 contra o ex-xá pelos apoiadores de Khomeini, geralmente foca em prover ajuda aos deficientes e outros afetados pela guerra. Mas, assim como outras fundações conhecidas como "bonyads" no Irã, financiada em parte por bens confiscados dos tempos do xá, muitas vezes servem aos interesses políticos da linha-dura do país.  Os reformistas do Irã, aqueles que querem lentamente liberar o país da teocracia Xiita e ter melhores relações com o ocidente, tem tentado distanciar o governo do país do decreto. O ministro das relações exteriores do presidente reformista Mohammed Khatami em 1998 disse que "o governo se dissocia de qualquer recompensa que tenha sido oferecida nesse sentido e não apoia isso". Rushdie lentamente começou a voltar à vida pública por volta daquele tempo. Mas alguns no Irã nunca esqueceram a fatwa contra ele. No sábado, 13, Mohammad Mahdi Movaghar, um morador de 34 anos de Teerã, descreveu ter uma "boa sensação" após ter visto Rushdie sendo atacado. "Isso é prazeroso e mostra àqueles que insultam as coisas sagradas de nós, muçulmanos, que além das punições no pós-vida, você será punido também neste mundo, pelas mãos das pessoas", ele disse. Outros, porém, se preocuparam que o ataque - independente do porquê ele tenha acontecido - possa atrapalhar o Irã enquanto o país tenta negociar sobre seu acordo nuclear com as potências mundiais. Desde que o presidente Donald Trump unilateralmente retirou os Estados Unidos do acordo em 2018, Teerã tem visto sua moeda desvalorizar e sua economia se desgastar. Enquanto isso, Teerã enriquece urânio, agora mais perto do que nunca de armas entre uma série de ataques ao longo do Oriente Médio. "Isso tornará o Irã mais isolado", avisou o ex-diplomata iraniano Mashallah Sefatzadeh. Enquanto as fatwas podem ser revistas ou revogadas, o atual supremo líder Aiatolá Ali Khamenei, que assumiu após Khomeini, nunca fez isso. "A decisão feita quanto a Salman Rushdie continua válida", disse Khamenei em 1989. "Como eu já disse, essa é uma bala para a qual há um alvo. Ela foi disparada. Um dia, cedo ou tarde, atingirá seu alvo" Mais recentemente, em fevereiro de 2017, Khamenei respondeu sucintamente a uma pergunta endereçada a ele: "A fatwa da apostasia do maldito mentiroso Salman Rushdie continua tendo efeito? Qual é o dever muçulmano nesse sentido?". Khamenei respondeu: "O decreto foi publicado por Imam Khomeini".

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