Richard Avedon, o fotógrafo que queria deixar o glamour para trás

'What Becomes a Legend Most', a biografia do fotógrafo escrita por Philip Gefter, leva o leitor para dentro de muitas das sessões de fotos de Avedon

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Por Dwight Garner
Atualização:

O drama da chegada das páginas com fotos atormenta o leitor de biografias. Você vai virando as folhas até chegar a esse colírio para os olhos? Ou se segura e vai avançando aos poucos até os encartes de fotografias, alcançando-os como se fossem um recanto acolhedor no meio de uma caminhada longa e pedregosa?

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A questão se faz urgente quando você lê What Becomes a Legend Most, a judiciosa e exuberante nova biografia de Richard Avedon, escrita por Philip Gefter. Gefter leva o leitor para dentro de muitas das sessões de fotos de Avedon e explica seu trabalho de um jeito tão hábil que você fica sedento para saciar os olhos com as fotos tiradas por Avedon.

Mas elas não estão neste livro. Os dois encartes de fotos contêm, certamente por questões de direitos, fotos de... Richard Avedon. Ele também era um colírio para os olhos. Fez a maior parte de seu trabalho de moda - ousado, minimalista e revolucionário - para a revista Harper’s Bazaar e Carmel Snow, por muitos anos sua editora. Ginette Spanier, diretora da House of Balmain em Paris, conheceu Avedon em 1948. Ela o descreveu com precisão em sua autobiografia: “pequeno, sombrio e elétrico com seu próprio tipo de vitalidade. Crepitante. Parece soltar faíscas. Seus dedos são como mariposas pequeninas e velozes”.

O fotógrafo Richard Avedon conversa com visitantes do Minneapolis Institute of Art em 1970. Foto: Minneapolis Institute of Art via The New York Times

Como já estou reclamando de um livro que admiro, deixe-me tirar mais uma coisa do caminho. O drama da carreira de Avedon se revela no seu esforço para se livrar da mácula de ser visto apenas como um fotógrafo de moda e comercial. Um certo glamour o seguia aonde quer que fosse. Sua riqueza, seu cabelo esvoaçante, sua agitação de celebridade: ele era seu próprio holofote. Embora tivesse uma relação próxima com Diane Arbus - foi uma das primeiras pessoas a chegar ao apartamento dela depois de seu suicídio - nunca contou com a confiança da maior parte da elite fotográfica do centro da cidade, incluindo Robert Frank.

Um dos grandes feitos da biografia de Gefter é apresentar um argumento bastante persuasivo sobre o lugar de Avedon como criador de retratos, como um dos artistas mais importantes do século 20. Considerá-lo apenas um fotógrafo de celebridades, sugere o livro, é “uma calúnia intelectual”. Gefter ainda situa Avedon num espectro contínuo que abarca fotógrafos como Nadar, Julia Margaret Cameron e August Sander.

Pensando em tudo isso, é desconcertante que Gefter tenha escolhido como título de seu livro o slogan de uma série de anúncios publicitários de casaco de pele que Avedon fotografou para a Blackglama no fim dos anos 1960. Escolher What Becomes a Legend Most [algo como O que mais se torna uma lenda, em tradução livre] acaba borrifando perfume barato na própria tese de Gefter.

A carreira de Avedon foi longa. Sua primeira fotografia de moda apareceu na Harper’s Bazaar em 1944, quando ele tinha 21 anos, e ainda estava fotografando para a The New Yorker quando morreu, 60 anos depois. Ele conhecia todo mundo e fotografava todo mundo, e parte do prazer desta biografia é ver passar o glamuroso desfile da vida.

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Avedon foi para o Kansas com Truman Capote para tirar fotos dos assassinos sobre os quais Capote escreveu em A Sangue Frio. Ele estava lá na noite em que Leonard Bernstein deu a festa sobre a qual Tom Wolfe escreveu em Radical Chic. Bernstein, Sidney Lumet, Harold Brodkey e Mike Nichols estavam entre os amigos mais próximos de Avedon.

Avedon, que se casou duas vezes, era um gay dentro do armário. Uma biógrafa anterior, Norma Stevens, uma das parceiras de negócios de Avedon, disse que Avedon e Nichols tiveram um longo romance clandestino. Gefter se afasta um tanto dessa afirmação.

Gefter escolhe as sessões de fotos certas sobre as quais se debruçar. Entre elas, o tempo que Avedon passou com Marilyn Monroe, Charlie Chaplin, os Sete de Chicago, James Baldwin, Rudolf Nureyev (que posou nu), os Beatles, a Fábrica de Andy Warhol, Jorge Luis Borges e Nastassja Kinski, que Avedon também fotografou nua, deitada com uma jiboia curvada sobre suas próprias curvas e passando a língua na sua orelha, uma imagem que se viu colada nas paredes de um milhão de quartos.

A prosa de Gefter é discreta, mas flexível. “A marca registrada de Avedon era a formalidade de uma figura direta contra o pano de fundo branco”, escreve ele, “com uma moldura de proscênio, composta pelas bordas do filme fotográfico como parte da imagem - a foto de documento levada à apoteose”.

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Avedon nasceu no Upper West Side de Manhattan em 1923. Seus pais eram filhos de imigrantes judeus. Seu pai tinha uma loja de roupas sofisticadas na Quinta Avenida antes de fechá-la e pedir falência logo após a quebra da bolsa de valores em 1929. Sua mãe apresentou a Avedon e a sua irmã mais nova, Louise, o máximo de cultura que as crianças conseguiam suportar, às vezes encontrando maneiras de entrar furtivamente em apresentações sem ingressos.

Avedon foi muito atormentado quando criança. Era judeu, afeminado e esteta, não gostava de esportes e sempre ouvia que jogava que nem menina. Na DeWitt Clinton High School, no Bronx, encontrou em Baldwin um amigo próximo: juntos, eles editaram a revista literária da escola. No último ano, o pai de Avedon pagou para ele fazer uma operação no nariz.

Avedon era um estudante pobre e ingressou na marinha mercante em 1942, em parte para evitar dizer aos pais que teria de repetir o último ano. Viveu uma guerra tranquila, trabalhando como assistente de fotógrafo nos Estados Unidos. Ele nunca cursou uma faculdade e por isso carregou para sempre um complexo de inferioridade.

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Avedon desfrutou de sua rápida ascensão social. “Richard Avedon me ensinou a ser uma pessoa rica”, comentou Nichols. As casas e apartamentos do fotógrafo eram baroniais. Quando adorava uma peça em Estocolmo, voava mais quatro vezes para vê-la, trazendo novos amigos em cada ocasião. Fazia almoços imensos, variados e elegantes em seu estúdio todos os dias; amigos passavam para encontrar quem ele estava fotografando. Conseguia mesa no último minuto em qualquer restaurante, os melhores lugares para qualquer ópera. Seu amigo Adam Gopnik escreveu sobre ele: “Ele cheirava um pouco, e ricamente, a limão”.

Avedon voava de primeira classe e seus assistentes iam de classe econômica. Um assistente disse a Gefter: “Dick levava uma enorme lata de caviar Petrossian para o voo e, em algum momento, trazia metade da lata com blinis para nós e dizia: ‘Não consigo comer mais, façam bom proveito’”.

Às vezes, era magnânimo, adorava um gesto grandioso. Nas longas viagens de carro com sua equipe, gostava de sentar no banco de trás e ler livros em voz alta. Mas muitas vezes também ficava ausente. Não tinha proximidade com o filho. Mais tarde, quando teve um amante mais sério, não reconheceu publicamente o relacionamento, nem mesmo quando seus amigos da alta sociedade começaram, um por um, a sair do armário.

Gefter, cujos livros anteriores incluem Wagstaff: Before and After Mapplethorpe e que foi editor do New York Times por quinze anos (o Times é um lugar bem grande e eu nunca cheguei a conhecê-lo), detalha o antagonismo de longa data entre Avedon e John Szarkowski, o diretor de fotografia do Museu de Arte Moderna. Fizeram-se críticas boas e ruins às mostras suntuosamente montadas do trabalho de Avedon no Metropolitan Museum of Art, na galeria Marlborough e em outros lugares - e ele recebia as críticas com severidade.

Em 1974, quando uma crítica negativa sobre sua mostra Jacob Israel Avedon, uma série de retratos de seu pai idoso, apareceu na seção “arte e lazer” deste jornal, Avedon estava no hospital com pericardite, uma inflamação perto do coração. Ele tentou levar a resenha numa boa.

Mas não conseguiu. Furioso, acabou se levantando da cama e riscou um fósforo para queimar a seção ofensiva. O fogo saiu de controle. Aí ele tentou resolver a bagunça no banheiro, onde continuou resmungando contra a matéria.

Um jornalista da Playboy, escrevendo seu perfil, capturou o resto da cena: “Ali ele se ajoelhou, o mundialmente famoso e glamouroso Richard Avedon, deu inúmeras descargas, forçando o pedaço de papel encharcado para baixo até ficar numa relação profundamente íntima com o encanamento. Por fim, com um gorgolejo, os restos cremados partiram para o mar”.

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 TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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