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Ricardo Lísias leva inquérito policial ao teatro e prepara livro

Série sobre delegado Tobias, que levou o escritor à Polícia Federal, ganha novo livro, vira peça e deve ser tema de curso

Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Por Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

Quando o escritor Ricardo Lísias desenhou a árvore genealógica da família Tobias, em 2010, ele não imaginou onde estava se metendo. Naquela época, escreveu dois contos, sobre João e Fernando, membros da terceira geração, e deu de presente de Natal para amigos e familiares. O volume artesanal incluía o texto em si, telegramas e colagens. A pasta do projeto permaneceu na vista do autor, mas outros trabalhos passaram na frente, como o romance Divórcio, lançado em 2013. No ano seguinte, a e-galáxia o convidou a publicar algo no selo Formas Breves, e ele resolveu que era hora de explorar Paulo Tobias.

No primeiro dos cinco volumes publicados em e-book, acompanhamos o delegado Tobias nas investigações da morte de Ricardo Lísias. Diversas pessoas do meio literário e acadêmico apareciam na obra – e misturar realidade e ficção tem sido uma das marcas da literatura de Lísias. Houve um certo mal-estar na época, embora ele diga que não, mas não foi por isso que o autor foi intimado a depor. Em um dos livros, há a reprodução de um agravo de instrumento, escrito nos moldes de um documento oficial, que determinava o recolhimento e proibição da venda de Delegado Tobias, além de banir o uso do termo ‘autoficção’. Um ano e três denúncias depois, foi então instaurado um inquérito para que Ricardo Lísias respondesse por falsificação e uso público de documento. Em outubro do ano passado, ele foi à Polícia Federal se defender e explicar que a palavra falsificação não tem lógica no campo da arte.

O autor. Família fictícia o acompanha desde 2010 Foto: Marcio Fernandes|Estadão

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“Pensei que Delegado Tobias fosse sobre fofoca. Eu queria discutir o que tinha acontecido com Divórcio e não sabia que estava fazendo algo que se relacionava à Justiça”, explica. Divórcio foi, de fato, alvo de muita fofoca – como foi o caso real que o inspirou. O romance tem como protagonista o escritor Ricardo Lísias, que descobre, ao ler o diário da mulher com quem tinha acabado de se casar, a traição e outras coisas incômodas.

Enquanto aguarda o arquivamento do inquérito, o escritor se prepara para lançar novo volume da série, agora em papel, no formato de um inquérito propriamente dito, em pasta, com furos, etiquetas, portarias, notícias de fato, despachos, termos de declarações, conversas de WhatsApp, e-mails, a árvore genealógica da família, cartas, etc. O convite para escrever O Inquérito partiu da Lote 42, que lança a obra em maio, e o autor concorda que sem o elaborado projeto gráfico de Gustavo Piqueira, considerando apenas o texto, o livro não funcionaria.

“Não quero provocar ninguém, mas o livro é uma denúncia. Quero denunciar os absurdos que são os inquéritos. A impressão que me deu é que se trata de uma máquina de incriminar pessoas”, diz. “Minha defesa é facílima, mas fico imaginando quantas pessoas estão na cadeia e não deveriam estar.”

No livro, Lísias entra com pedido para saber quem fez a denúncia e descobre que ela partiu dos três sócios da Lote 42, que também viram personagens. João Tobias, que queria ser orientado por Vladimir Safatle no mestrado e acaba morto no Equador, durante a tentativa de golpe contra Rafael Correa, e Fernando Tobias, artista plástico cujo projeto sobre o massacre mexicano dos Zetas é vendido para a Tate Modern, ambos personagens dos contos de Natal, têm agora sua história contada no volume. Mariana, a irmã deles, um projeto suspenso na pasta do escritor, também aparece. Os três são sobrinhos do delegado.

E tem mais. De 13 a 15 de maio, o escritor, que foi personagem em O Céu dos Suicidas, em Divórcio e em alguns contos, vira ator – e interpreta ele mesmo, claro. Ele sobe ao palco do teatro do Sesc Ipiranga para encenar Vou Com Meu Advogado Depor Sobre o Delegado Tobias, que terá direção de Alexandre Dal Farra. A peça foi escrita por ele ao constatar, em sua ida à Polícia Federal, que tudo parecia um teatro. A primeira leitura cênica será na quinta-feira que vem, dia 18.

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E tem mais ainda. O autor quer dar um curso sobre a família Tobias e acredita que isso também pode ser encarado como uma encenação. A família fictícia renderá quatro aulas, o autor imagina. A ver se ela despertará o interesse nesse nível.

Para 2017, ele espera conseguir escrever mais uma história da série, desta vez, sobre os pais do delegado. Ele, um empreiteiro; ela, morta misteriosamente. Ainda pensa no formato da narrativa, mas a ideia é que o quarto seja sua estrutura e que os objetos contem a história. Trata-se tudo de uma grande experiência literária. “Eu queria fazer uma coisa diferente e fazer pesquisas ligadas à imagem”, explica.

Antes disso, ele deixa o personagem Ricardo Lísias de lado e lança, pela Alfaguara, em setembro ou outubro, o romance Cidade Brava: Mar Brasil. A história se passa no Rio e o personagem é um artista plástico. Isso não significa, porém, sua ruptura com autoficção, ele diz, mesmo não simpatizando com o termo.

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