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Raduan Nassar ganha o Camões por sua obra literária

Principal prêmio da língua portuguesa foi atribuído ao autor de 'Lavoura Arcaica', que, segundo o júri, "privilegia a densidade acima da extensão

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Principal prêmio literário da língua portuguesa, o Camões foi atribuído na segunda, 30, ao escritor paulista Raduan Nassar, de 80 anos, 12.º brasileiro a ser laureado com o troféu, já atribuído ao historiador Alberto da Costa e Silva, Ferreira Gullar, João Ubaldo Ribeiro e Rubem Fonseca, entre outros autores. Por telefone, Nassar disse que ficou surpreso com o prêmio. Seu único comentário foi: “Um trabalho tão minguado como o meu...”. O autor, como se sabe, não concede entrevistas desde que decidiu abandonar a literatura, ainda nos anos 1980. Nassar teve três livros publicados no Brasil: Lavoura Arcaica, de 1975, Um Copo de Cólera (1978) e Menina a Caminho (1997).

Evidentemente, não se trata da uma “obra minguada”, observa o escritor Milton Hatoum, que recebeu a bênção de Nassar quando começou sua carreira literária. “Foi um prêmio merecido por sua obra plena e poderosa”, declarou, concluindo que o mexicano Juan Rulfo (1917-1986) publicou igualmente pouco (Pedro Páramo, El Llano em Llamas), mas deixou um legado precioso. Como Rulfo, que só publicou dois livros, mas foi traduzido em várias línguas, Nassar teve sua obra publicada na Alemanha, Espanha, França e Inglaterra, entre outros países.

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Nassar tem ainda duas obras inéditas no Brasil: seu ensaio A Corrente do Esforço Humano foi publicado em 1987, na Alemanha, e seu conto O Velho saiu numa antologia francesa. Hatoum, que conhece o escritor desde 1988, tem uma explicação para o sucesso de Nassar entre os franceses: “Um livro como Menina a Caminho, que precisa ser lido com urgência num momento em que se pratica tanta violência contra as mulheres no Brasil, tem uma linguagem diferente de outras obras de Nassar, mais compassada, com outro ritmo, clássica e meio flaubertiana”, analisa.

Menina a Caminho, primeiro texto de ficção escrito por Nassar, nos anos 1960, ganhou o prêmio Jabuti como melhor livro de contos e crônicas de 1998. “É a descrição de um rito de passagem, a descoberta do mundo por uma menina, um livro bem diferente de Lavoura Arcaica, cuja prosa alcança uma força lírica rara, que nem por isso embaça sua compreensão”, diz Hatoum. Em Lavoura Arcaica, que evoca a parábola do filho pródigo ao contar a história de André, que foge de casa para se libertar da opressão patriarcal, a ressonância bíblica é evidente nessa obra classificada por Hatoum de “um livro mestiço, brasileiro, em que temas como incesto e violência são tratados de forma dissonante da literatura brasileira que se praticava na época”.

Em Lavoura Arcaica, que foi traduzido para o inglês este ano, a própria origem de Nassar, oriundo de família libanesa, se confunde com a dos personagens de um livro cuja linguagem, segundo os jurados do prêmio Camões, “privilegia a densidade acima da extensão”. Entre os integrantes do júri estavam dois críticos brasileiros, Flora Süssekind e Sérgio Alcides do Amaral. Nassar vai receber 100 mil euros pelo prêmio Camões. Antes de ser atribuído a Nassar, Portugal e Brasil estavam empatados em 11 autores de cada país desde que o prêmio foi instituído, em 1988.Também este ano, Raduan ficou entre os semifinalistas do conceituado Man Booker Prize.

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