Por que, como e quando devemos começar a ler para uma criança

Confira também dicas de livros para bebês e livrarias e clubes de assinatura voltados ao público infantil

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Por Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

Quando o interfone tocou e o porteiro do prédio perguntou se havia algum Cassiano Freire Miranda ali, Lucas levou um susto. Nunca ninguém tinha perguntado isso e, passado aquele estranhamento, ele respondeu que sim, tinha sim um Cassiano: seu filho que ia nascer. Estava chegando a primeira encomenda para ele – o primeiro kit do clube de assinatura de livros que sua mãe, Isadora Freire, de 36 anos, tinha feito no nome do filho que ainda demoraria alguns meses para chegar.

Cassiano, que começou a ouvir histórias ainda na barriga da mãe, tem hoje quatro meses. A hora da leitura na casa desta nova família de Brasília é sagrada. No final do dia, quando todas as rotinas já foram cumpridas e ainda não chegou a hora de dormir, Isadora pega seu bebê no colo ou o coloca no carrinho, estica a mão para alcançar os livros que ela deixou num cesto perto do sofá, e começa a ler para ele. Cassiano não entende as palavras nem as histórias, mas começa a aprender a ler sua mãe e a entrar em contato com as emoções. Dia desses, ao ler um mito grego para o pequeno, ela franziu a testa para fazer cara de espanto e, quando menos percebeu, o bebê estava mexendo a sobrancelha.

Aos quatro meses, Cassiano, filho de Isadora, já tem contato com as histórias que sua mãe lê Foto: Antonio Molina/Estadão

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Tem uma outra hora boa para histórias lá. Cassiano nasceu prematuro, tem alergia alimentar e alguns desafios, como diz Isadora. E ainda precisa de vitaminas e de remédio para refluxo. Ele acorda, toma a medicação e só meia hora depois é que pode mamar. Como acalmar um bebê com fome e com dor? Com histórias. Isso Isadora aprendeu há cerca de 15 anos, quando foi voluntária na ONG Viva e Deixe Viver e lia para crianças em hospitais. “Muitas vezes aquilo era um consolo e um afago para aquela criança que estava com dor ou se sentindo sozinha e com medo”, comenta. Depois ela foi estudar biblioteconomia e, trabalhando em biblioteca escolar, mergulhou ainda mais neste universo literário – e quer o filho imerso nisso também.

Calma

“A leitura é um momento essencial de quietude. Com a experiência de trabalhar com crianças, percebi que não dá para ter, todo o tempo, uma atividade agitada de música, de bater palma, de virar de cabeça para baixo, de correr, pular. Tem que existir um momento para a criança se acalmar. Ela precisa de silêncio, de um silêncio interno. É preciso acalmar os ânimos, o coração e a mente para que ele consiga se concentrar naquela história. Esse momento em que faço a leitura com o Cassiano é uma pausa do dia. Um momento em família, de afeto e calma”, diz a mãe de primeira viagem já muito segura do que quer para seu filho. Isadora imagina que lendo para o bebê ela está ajudando a criar um repertório para ele e que isso tudo trará ganhos futuros – em vocabulário, em percepção crítica do mundo.

Cassiano está tendo uma experiência parecida com a de Theo Silvestre Rosario, hoje com 6 anos – e um ávido leitor em alfabetização. “Eu gosto de todos os livros. E eu gosto deles porque é uma forma de me deixar inteligente e eu amo ser inteligente!”, diz o garoto dono de uma biblioteca de cerca de 200 títulos, que ouvia histórias na barriga da mãe e que, com os livros, ganhou muito mais do que vocabulário e repertório.

“Eu não consegui amamentar o Theo devido a uma cirurgia que fiz e, aquele momento tão esperado pelas mães, o do olho no olho, o da troca, o da intimidade, eu não pude ter com meu filho. E eu acho que, sem querer, isso aconteceu para nós de uma outra maneira: pelos livros. A leitura era, e é, o nosso momento”, conta Karin Silvestre, jornalista e professora de inglês de SP.

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Karin Silvestre conta história para o filho Theo, de seis anos Foto: Werther Santana/Estadão

A leitura permitiu a criação de um vínculo entre mãe e bebê, algo primordial. Theo nunca se recusou a ouvir uma história e Karin nunca deixou de ler o que ele pedia – mesmo que fosse pela milésima vez. “Hoje, o Theo é uma criança que se expressa muito bem, tem um vocabulário amplo, conversa sobre vários assuntos com sequência lógica, é muito concentrado e desenvolveu uma excelente memória. Curiosidade, imaginação e criatividade não faltam a ele. As várias histórias lidas lhe possibilitaram a construção da empatia. E também é possível notar que a leitura, o contato com os livros, é algo que lhe é muito prazeroso, a ponto de no dia do brinquedo na escola ele pedir para levar um livro”, conta a mãe orgulhosa. 

Por que, como e quando começar a ler para uma criança

São muitos – e muito básicos e essenciais – os cuidados com um bebê que acabou de chegar. Com uma rotina minimamente estabelecida, e acreditando que os livros podem ser importantes para a vida daquela criança, como incluir a leitura no dia? Karin Silvestre, que leu para Theo na barriga, ofereceu livros de banho e alguns que haviam sido repassados por outras mães, sentiu logo que precisava de ajuda na seleção dos livros. Foi quando descobriu A Taba, clube de assinatura que também tem o pequeno Cassiano como assinante.

“Com um ano e um mês, Theo recebeu o primeiro livro. Eu sempre ia buscar o pacote na portaria, junto com ele, e, já no elevador, eu mostrava o nome dele no remetente. Era uma satisfação imensa ver, a cada mês, ele rasgando afoitamente o pacote em busca do livro. Assim que pegava nas mãos, ele já me entregava para eu ler na mesma hora. E é assim até hoje.” Além de receber o pacote mensal, Theo frequenta a biblioteca do bairro e livrarias.

Pesquisa

O primeiro contato com a literatura ainda no colo dos pais é decisivo para que essa criança se torne uma pessoa leitora. A Pesquisa Retratos da Leitura revelou, em sua edição mais recente, de 2020, um crescimento no número de crianças leitoras no Brasil, especialmente na faixa dos 5 aos 10 anos. A influência dos pais, sobretudo das mães, e dos professores foi responsável por isso, segundo o levantamento. Na época, Zoara Failla, coordenadora da pesquisa, disse ao Estadão que a família está percebendo isso.

Isadora lê livro ao lado do filho, Cassiano, de quatro meses Foto: Antonio Molina/Estadão

“Quando ela lê para o filho, quando lê na frente das crianças, quando a presenteia com livro, isso faz toda a diferença”, comentou. E quando começar? Em nova entrevista, Zoara cita Bartolomeu Campos de Queirós (1944-2012), importante nome na questão da formação de leitores. “Ao defender que o conhecimento e a leitura acontecem em quatro dimensões (o afeto, a linguagem, a imaginação e a memória), Bartolomeu nos ajuda a entender como a contação de histórias para bebês pode despertar o prazer pela leitura. A leitura de livros de história pela família ou adulto, desde a primeira infância, possibilita compartilhar emoções. Ao ler ou contar histórias, a voz, a escuta, os gestos possibilitam associar o som das palavras à emoção que a história está transmitindo. Aprimora os sentidos e a atenção tão importantes na leitura.” E possibilitam associar ideias à linguagem e despertam a fantasia.  “As crianças não cansam de ouvir uma mesma história, o que nos leva a pensar que mais importante do que descobrir o que está sendo contado, na primeira infância, o prazeroso é o que desperta a memória; a fantasia; ouvir o som das palavras, identificar os personagens, associar imagens ao que está sendo contado, e compartilhar as emoções. Enfim, o que é sentido, como nos ensina Bartolomeu”, diz ainda.

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Segundo a pesquisadora, o despertar da imaginação e o desenvolvimento da oralidade, da fala, da escuta e da curiosidade pelas imagens, palavras e o que está escrito tem início nesta fase e depende do contato com materiais, brinquedos e objetos com imagens e palavras e com livros.

Como escolher

Os clubes de assinatura têm sido uma escolha de muitos pais que querem contar histórias para as filhos e não sabem por onde começar – mas que sabem que não querem qualquer livro e, sim, bons livros de literatura.

“Assim como o brincar é uma experiência insubstituível para o desenvolvimento cognitivo, linguístico e emocional das crianças, conviver desde cedo com cantigas, parlendas, poemas e pequenas narrativas promove também conquistas importantes por meio das brincadeiras de linguagem e do “faz de conta” das narrativas”, comenta Márcia Leite, idealizadora da Pulo do Gato, uma das mais respeitadas editoras de livros para a infância.

Para ela, os livros também podem ajudar as crianças a falar sobre si e a nomear quando entram em contato com histórias que as convidem a entender o que estão sentindo, o que não conhecem, o que precisam compreender melhor. Por isso, ela explica, é importante oferecer histórias e obras em que os leitores se reconheçam, se projetem e se sensibilizem.

Livro para bebê

A literatura infantil e juvenil feita no Brasil é bastante desenvolvida, mas a edição de bons livros para bebês é algo relativamente novo. 

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Daniela Padilha, editora da Jujuba, que publica livros infantis Foto: Mayara Neves

Daniela Padilha, da Jujuba, que está entre as cinco finalistas do prêmio de editora do ano da Feira do Livro Infantil de Bolonha, na categoria América Central e do Sul, conta que desde 2017 tem estudado livros que incluem o bebê na leitura e percebeu que havia poucos títulos nacionais. “A maioria era importada e mais preocupada com a materialidade (plástico, cartonado, pano) em detrimento da história, da estética. Muitos nem sequer têm autoria. Então comecei a provocar autores brasileiros a pensar nesses livros junto comigo”, diz. “A primeira recepção foi uma negativa, afinal, o que seria um livro para bebês?”

Em 2019, a Jujuba criou a coleção Literatura de Colo, que tem hoje 11 títulos – alguns deles incluídos no catálogo da Taba e de outros clubes infantis que atendem leitores desde o comecinho da vida. Como a Jujuba e a Pulo do Gato, há outras casas editoriais com um olhar atento a este novo público e publicando livros verdadeiramente literários. E outras chegando agora, de olho no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), que incluiu, no edital divulgado em 2021, a categoria livros para bebês. “Estamos percebendo, desde o ano passado, um crescente nas publicações para bebês. Mas muita coisa pautada no que o edital pedia, com temas, quantidade de palavras por páginas, ilustrações com cores fortes e outros pontos que vão na contramão do que se entende por bebê hoje e suas relações com o mundo”, comenta Daniela.

Isadora ao lado do filho, Cassiano, de quatro meses, enquanto lê um livro infantil Foto: Antonio Molina/Estadão

Com anos de experiência em educação e contato com crianças maiores, Denise Guilherme não sabia bem o que fazer com seu bebezinho de um mês quando ouviu de uma enfermeira: “Você não trabalha com livros? Não gosta de ler? Leia para ele”. Fez isso. Leu o que gostava, foi pesquisar e disso nasceu a categoria 0-3 anos do seu clube A Taba. “Muita gente acredita que a leitura é boa para o bebê, mas isso é bom para a gente também. Quando começamos a ler para as crianças, estabelece-se um novo lugar na relação com elas.” 

Dicas

Obras, clubes e livrarias para incentivar a leitura

- Livros para bebês10 dicas de Denise Guilherme: Aperte Aqui (Ática), de Hervé Tullet; Um Abraço Passo a Passo (Panda Books), de Tino Freitas e Jana Glat; Bebês Brasileirinhos (Cia. das Letrinhas), de Lalau e Laurabeatriz; Bola Vermelha (Pulo do Gato), de Vanina Starkoff ; Céumar Marcéu (Jujuba), de Renato Moriconi; Era Uma Vez Outra Vez (Barbatana), de Edith Chacon e Priscilla Ballarin; O Mundo de Isa (Peirópolis), de Maria Cristaldi; Tchim! (SM), de Virginie Morgand; Bem Lá no Alto  (Cia. das Letrinhas), de Susanne Strasser; e Bia e o Elefante (Jujuba), de Carolina Moreyra e Odilon Moraes

- Clubes de assinatura Há muitas opções para os pequenos de todas as idades. Entre elas, estão A Taba, Quindim, Minha Pequena Feminista, Leiturinha e o Clubinho do Livro do Submarino (que não requer assinatura, apenas a compra do livro selecionado)

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- Livrarias em SP  As livrarias especializadas em obras para a infância: Miúda e Pé de Livro (Pompeia), Casa de Livros (Chácara Santo Antônio), NoveSete (V. Mariana) e PanáPaná (V. Clementino)

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