Plataformas de crowdfunding movimentam mercado editorial

Novas startups voltadas ao financiamento coletivo para livros surgem no Brasil e oferecem alternativa às editoras

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Por Guilherme Sobota
Atualização:

A ideia é simples, talvez até antiga, e já é utilizada com sucesso nos outros mercados da arte (como a música e o cinema): um grupo de colaboradores contribui com determinadas quantias em dinheiro para um projeto que pode então ser viabilizado – o que não aconteceria se esse esforço coletivo não existisse. O mercado editorial brasileiro agora volta os olhos ao crowdfunding: nos últimos dois meses, duas plataformas dedicadas ao conceito e exclusivas aos livros passaram a operar no País.

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Funciona assim: a plataforma recebe uma proposta de campanha de um autor, analisa, aprova e coloca à disposição na web. Os leitores interessados podem então fazer uma colaboração em dinheiro (por cartão de crédito ou boleto) e, se o projeto atingir a meta preestabelecida, o dinheiro arrecadado é utilizado para viabilizar os custos de produção e distribuição do livro.

A Bookstart – iniciativa de dois profissionais do Rio oriundos do mercado financeiro, Bernardo Obadia e Vitor Arteiro – iniciou suas operações há pouco mais de dois meses, e já conta com um projeto bem sucedido, em fase final de produção (o livro Confissões ao Mar, de Kadu Lago). Outros cinco projetos já estão abertos no site da startup, que pretende oferecer uma alternativa ao mercado editorial.

Modelo nas outras artes chega agora ao universo dos livros Foto: Felipe Rau/Estadão

Como o volume da produção recebida por editoras é muito grande, a Bookstart acredita que o modelo do crowdfunding possa fazer uma “peneira” efetiva que ofereceria oportunidades ao mercado. “O crowdfunding consegue descobrir novos talentos e oferecer um pacote estatístico, com dados sobre os leitores, muito importante para o marketing do livro”, diz Obadia.

Na Bookstart, cada campanha proposta pelos autores é analisada pela equipe, que define se o projeto tem potencial de sucesso. Se tiver, a equipe “dá uma lapidada” e coloca a campanha no ar. Como quase toda iniciativa de crowdfunding, o modelo é o “tudo ou nada”, em que, para ser viabilizada, a campanha precisa atingir 100% da meta.

De acordo com Obadia, muitos autores independentes já procuraram a empresa. “Não temos a intenção de nos tornarmos uma editora”, enfatiza. O objetivo é oferecer um serviço que fique entre a autopublicação e o trabalho de uma editora profissional. “Vamos publicar com alguma qualidade e ao mesmo tempo dar capilaridade para autores independentes”, afirma.

O modelo, segundo Obadia, tem capacidade de publicar qualquer obra de qualquer gênero literário. “O mercado começa a entender, o caminho está certo, vamos conseguir”, diz, otimista.

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A Bookstart, que começou com investimentos próprios dos fundadores, já está em negociação com investidores para acelerar seu crescimento. A empresa espera publicar entre 20 e 25 obras por mês nos próximos 18 meses, com uma venda de 1,1 mil exemplares mensais.

Outra iniciativa, também do Rio, é a Bookstorming. Com um modelo um pouco diferente – a startup surgiu de dentro do mercado editorial –, a Bookstorming se aproxima mais de uma editora, mas ao mesmo tempo se coloca como alternativa e oportunidade para as outras editoras.

Se o crowdfunding já está estabelecido no mercado da música, por exemplo, o editor Breno Barreto, um dos fundadores da Bookstorming, acredita que ele também vai se consolidar no mercado editorial. 

O que eles pretendem é transformar ideias em livros. “O crowdfunding permite apresentar uma ideia que pode ser um sucesso, mas sem riscos: se não funcionar com o público, ninguém perde dinheiro”, exemplifica Barreto. O primeiro projeto da startup é o livro Desordem, uma coletânea de contos de jovens autores, como Natércia Pontes e Cristiano Baldi. Até ontem, o projeto tinha arrecadado 91% da meta, que precisa ser atingida em três dias.

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A diferença para o modelo de edição tradicional passa ainda pelo fato de que, antes do processo de edição começar, todos os livros já estão vendidos. “Assim, nós podemos caminhar de um modo muito mais transparente”, diz Barreto, ressaltando que a empresa também partiu da percepção de que existe a necessidade de maior contato entre as pessoas que fazem o livro nascer e os leitores. “A literatura é feita de pessoas para pessoas, e por uma questão do mercado isso se perdeu”, constata.

Barreto, que também trabalha na editora Casa da Palavra, diz que ficou impressionado com o número de autores e empresas que buscaram a Bookstorming para montar campanhas ou estabelecer parcerias. 

O primeiro acordo foi com a editora e-galáxia. A editora vai produzir os livros digitais para os projetos de crowdfunding e a Bookstorming vai montar as campanhas para autores que tenham interesse em publicar pela editora mas que não podem fazer o investimento inicial. Outra parceria já estabelecida é com a Polifonia, espaço de ensino de São Paulo que também trabalha com criação colaborativa. Eles compraram uma cota de livros do Desordem e a Bookstorming vai levar alguns autores do livros ao espaço da Polifonia.

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“Estamos com a cabeça aberta para diversificarmos o modelo”, diz Barreto. “Fomos aceitos, então não precisamos ficar presos a um modelo apenas.”

Modelo é usado por profissionais dos quadrinhos

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Apesar de as plataformas dedicadas começarem a aparecer agora, a ideia de financiamento coletivo para livros já existe há algum tempo no Brasil. Os profissionais dos quadrinhos, por exemplo, conseguiram montar uma estrutura eficiente de crowdfunding, inicialmente com a plataforma do site Catarse – o primeiro projeto bem sucedido foi o livro Achados e Perdidos, de Luís Felipe Garrocho e Eduardo Damasceno, em 2011.

Desde então, se tornou possível um tipo de comercialização que não existia no cenário editorial brasileiro. É o que atesta o quadrinista Rafael Coutinho, autor ele mesmo de dois projetos bem sucedidos de financiamento coletivo e um dos fundadores da Narval Comix, iniciativa voltada para a produção de quadrinhos autorais.

“No início, me pareceu algo muito insólito, mas aos poucos fomos entendendo como o processo funciona e tudo foi muito saudável”, afirma, ressaltando que nesse tipo de produção os leitores ficam muito próximos dos autores e editores. 

Coutinho explica que as redes sociais, especialmente o Facebook, tiveram um papel importante na sua primeira iniciativa no crowdfunding (O Beijo Adolescente – Segunda Temporada, de 2012), mas na segunda, com as mudanças no funcionamento da rede social, o método de angariar apoiadores mudou. “O alcance ‘orgânico’ das postagens passou a ser muito baixo mesmo com muitos ‘curtir’, o que dificultou um pouco mas ao mesmo tempo abriu nossos olhos para a lógica do crowdfunding”, diz Coutinho, ressaltando que o importante é encontrar parceiros para viabilizar projetos, a “ideia quase ancestral do mecenato”. Ainda há muito o que se testar, mas as pessoas estão querendo participar experiência de produção.

A escritora gaúcha Clara Averbuck também realizou – e com sucesso considerável – um projeto próprio e agora deve terminar de produzir seu sétimo livro, Toureando o Diabo. O projeto arrecadou, por meio do Catarse, R$ 44,5 mil, quase R$ 10 mil a mais do que a meta.

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A principal motivação para ela foi a injustiça que considera a divisão dos lucros no mercado editorial brasileiro e o desejo de maior contato com os leitores e consumidores de sua obra. “Acho o fim do mundo livrarias ficarem com 50% do preço de capa do livro”, diz. Clara começou a publicar na internet e, no início dos anos 2000, migrou para o mercado editorial.

“No começo achei muito legal, mas depois senti muito quando o processo saiu quase todo da minha mão”, lamenta a escritora, que confessa que pode patinar um pouco na distribuição do seu primeiro livro viabilizado pelo crowdfunding, previsto para agosto. / (GUILHERME SOBOTA)

Passo a Passo - Como funciona o crowdfunding

1. Proposta

Autor faz uma proposta inicial de uma ideia de livro, que será analisada.

2. Análise

Equipe da plataforma analisa e decide se a proposta tem potencial de sucesso.

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3. Lapidação

Há um processo de “lapidação”, em que são elaborados atrativos para a campanha.

4. Campanha

A campanha entra no ar, pela web, e os colaboradores podem começar a investir.

5. Produção

Se a meta for atingida, o livro entra em processo de edição e distribuição.

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