‘Ocupação Glauco’ repassa o processo criativo do autor de tirinhas e charges históricas

Glauco Vilas Boas criou personagens inesquecíveis, como o Geraldão e o Casal Neuras, e agora ganha exposição na Avenida Paulista em São Paulo

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Por Guilherme Sobota
Atualização:

Consagrado por expandir de maneira única os limites do humor e da crítica política desde o fim dos anos 1970, o cartunista Glauco Vilas Boas (1957-2010) ganha, a partir de hoje, 9, uma exposição que pretende repassar especialmente seu processo criativo. A Ocupação Glauco, no Itaú Cultural (Av. Paulista, 149), começa neste sábado e traz dezenas de esboços de tiras e charges, cartas, fotos e objetos originais do autor, além de uma série de vídeos inéditos e conteúdos multimídia abertos à interação do público. A mostra fica no local até o dia 21 de agosto e tem entrada gratuita.

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Além da exposição, também entra no ar hoje um hotsite com a maior parte do material reunido – proveniente do arquivo pessoal do artista, sob guarda da sua ex-mulher, e também do arquivo do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, onde ele trabalhou no início dos anos 1980, entre outras fontes. Em uma parceria com o selo Peixe Grande, do editor Toninho Mendes, também será reeditado o livro Minorias (1982), que sai na segunda quinzena de agosto.

Nos últimos anos, o nome de Glauco foi invariavelmente ligado à tragédia que marcou o fim de sua vida: no dia 12 de março de 2010, um homem invadiu a propriedade do cartunista em Osasco, na Grande São Paulo, e assassinou Glauco e seu filho Raoni, de 25 anos. Os motivos reais morreram com Carlos Eduardo Nunes, o Cadu, ele mesmo assassinado na prisão em abril deste ano. O objetivo da exposição é, então, voltar os olhos à rica produção artística do cartunista, focando principalmente seu processo criativo, de acordo com um dos curadores da exposição e gerente do Núcleo de Audiovisual e Literatura do Itaú Cultura, Claudiney Ferreira.

“Nossa ideia é mostrar como o Glauco foi um cartunista muito original tanto na forma quanto no conteúdo”, diz Ferreira. “Mesmo hoje em dia, não se vê coisas tão ousadas.”

O curador se refere especialmente ao personagem Geraldão, o mais célebre de Glauco – um homem na casa dos 30, que mora com a mãe e nutre inspirações sexuais por ela de um jeito que Freud nem ousou imaginar, além de manter um consumo descontrolado de álcool e drogas. O personagem apareceu nas revistas Geraldão (editadas por Toninho Mendes e sua Circo Editorial no fim dos anos 1980) e na Folha de S. Paulo, jornal no qual Glauco publicou suas tirinhas e charges desde 1985 até o ano da sua morte. Geraldão aparecia muitas vezes em nu frontal. “Eles colocavam uma tarja, então o Glauco aumentava o tamanho para a tarja ficar gigante também”, ri Ferreira.

Mesmo assim, a leveza no tratamento de temas polêmicos, como a ditadura militar, e, mais tarde, a violência urbana, permaneceu como marca de seu trabalho, na avaliação do produtor executivo da exposição, Ricardo Tayra. “Quem continua o trabalho do Glauco? Ainda é difícil responder a essa questão”, diz Tayra.

Uma das atrações da mostra são vídeos com depoimentos de amigos de Glauco, entre eles, claro, Angeli e Laerte, “a santíssima trindade do quadrinho brasileiro”. Para resumir a personalidade do amigo, Laerte diz: “O Glauco era o cara que colocava a pessoa no colo e então enfiava o dedo no...”. Em outro vídeo, Toninho Mendes lembra a enorme quantidade de cartas que recebia quando da publicação das revistas do Geraldão, muitas ofensivas. “Era a prova maior que a gente estava em sintonia com o que estava acontecendo”, diz.

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A exposição também passeia pelo lado espiritual de Glauco – ele fundou uma igreja daimista, a Céu de Maria, que segue na ativa em Osasco. A sanfona que ele tocava nos rituais estará à mostra. Recursos de acessibilidade também foram pensados desde o início da concepção: desenhos “táteis”, audiodescrição e tradução em libras em todos os vídeos. O Geraldão, se sóbrio, adoraria.

OCUPAÇÃO GLAUCO

Itaú Cultural. Avenida Paulista, 149. Tel.: 2168-1777. 3ª a 6ª, das 9h às 20h; sáb., dom. e feriados, das 11h às 20h. Grátis. Até 21/8.

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OS PERSONAGENS

-- Geraldão O personagem mais célebre é um marmanjo na casa dos 30 que mora com a mãe, por quem nutre desejos malucos, sempre sob efeito de substâncias ilícitas   -- Dona Marta  Inspirada em uma amiga do autor, nasceu junto com o Geraldão no primeiro livro de Glauco    -- Casal Neuras  Ciúmes e reconciliações são as palavras de ordem nesse casal inspirado em um relacionamento real do cartunista    -- Faquinha  Personagem da fase mais recente do trabalho de Glauco, foi criado como instrumento de crítica às injustiças sociais do Brasil    -- Ozetês  Também da última fase do desenhista, evidenciam as cores e as pausas na ação frenética

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