Obra revê manipulações e influências na cartografia ao longo do tempo

Com belas imagens, 'Uma História do Mundo em 12 Mapas', de Jerry Broton, revive os melhores momentos da história deste atraente artefato

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Por Elias Thomé Saliba
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É muito conhecida a minifábula contada por Jorge Luis Borges a respeito daquele exótico reino onde o governo mandou construir “um mapa do Império, exatamente do tamanho do império”. A fábula termina descrevendo as ruínas da colossal carta geográfica, que acabou servindo apenas de habitação improvisada de animais e mendigos. A moral desta fábula – a rematada utopia de se elaborar um mapa sem um processo de redução, de seleção e de escala – é uma das fontes de inspiração para Uma História do Mundo em 12 Mapas, de Jerry Broton, um soberbo painel das representações gráficas mais importantes da história humana. Desde o mais antigo vestígio cartográfico, o “Mapa Babilônico do Mundo” – uma tabuleta de argila do século 6 a.C. – até os aplicativos interativos do tipo Google Earth, Brotton revive, nas belas imagens de 12 mapas, os melhores momentos da história deste atraente artefato. 

Uma das questões mais salientes na história dos mapas sempre foi definir a posição do observador em relação a uma determinada representação gráfica. Para os geógrafos do Renascimento, por exemplo, a solução era comparar a pessoa que vê um mapa a um espectador de teatro – o “Teatro do Mundo”. O corte mais abrupto na história dos mapas foi o advento da modernidade, mais ou menos entre os séculos 14 e 15 –, que conduziu a um crescente abandono da cartografia de cunho teológico dos chamados mappaemundi. Desenhados para instrução e contemplação espirituais, os mappaemundi eram objetos devocionais transmitindo orientações sobre a divina ordem cósmica. Eram ainda retratos do mundo que deveriam desenhar a marcha da história humana escrita antecipadamente por Deus no início dos tempos – desde suas origens no Oriente até seu estado presente no hemisfério Ocidental.

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Da geografia ptolomaica no mundo clássico ao mapa mundo cristão do século 14, centrado em Jerusalém; da primeira visão globalizada do planeta, realizada pelo nosso ancestral português Diogo Ribeiro no século 16 até a pouco conhecida “projeção de Peters”, de 1973 – na qual, inspirado pelas imagens da Apollo 17, o historiador alemão procurou dar igualdade de representação cartográfica aos países do Terceiro Mundo –, Brotton nos apresenta dados sólidos e análises muito convincentes. 

Mas o melhor se revela no último capítulo, um estudo detalhado dos chamados aplicativos geoespaciais, sendo o mais conhecido, o Google Earth. Além de se valer da imagem icônica do planeta azul suspenso no espaço – popularizada pela Nasa na década de 1970 –, o Google Earth oferece aos seus usuários um grau de interação inimaginável em mapas ou atlas impressos, levando a uma radical reavaliação do estatuto dos mapas e do futuro da cartografia. Mas a história deste artefato também é reveladora. Em 1970, o geógrafo americano Valdo Tobler, em frase famosa, definiu o que chamou de primeira lei da Geografia: “Tudo está relacionado com tudo, mas coisas próximas estão mais relacionadas do que coisas distantes”. Este reconhecimento do fato de que, desde Ptolomeu, a geografia sempre foi egocêntrica, se tornou o lema de todos os aplicativos. Quando entramos no aplicativo, buscando expandir nosso conhecimento geográfico, a primeira coisa que nos pedem é para fornecer nossa própria localização. Sem isto, nada feito, a coisa emperra! Mas é aí que começa o comércio eletrônico conhecido como Googlenomics: um leilão global incessante e milionário de venda de torrentes de dados sobre gostos, perfis e hábitos dos usuários, que não anima sequer os muitos entusiastas da informática.

Muitos argumentam que a capacidade da empresa de salvar o histórico de busca dos indivíduos representa uma violação de sua privacidade. O uso comercial dos mapas não representa tanto uma novidade, algo que os mapas comerciais de al-Idrisi das rotas do Mediterrâneo já faziam nos século 13 e 14. A diferença crucial não está apenas na escala, mas no fato de que a empresa nunca revela as fontes das quais os seus “tecnólogos geoespaciais” (não são mais cartógrafos) retiram dados e imagens. Além de violar princípios de direitos autorais, deixam sem resposta a velha e histórica pergunta: “Quem decide o que é incluído ou não no mapa?”. A história dos mapas nunca conheceu anteriormente a possibilidade de um monopólio de informações geográficas valiosas cair nas mãos de um única empresa. Defensores e entusiastas confiam no teor democrático das milhares de interações disponíveis aos internautas. Mas até que ponto uma empresa conseguirá equilibrar suas aspirações de enorme rentabilidade com seus ideais supostamente democráticos? Esta é uma história que ainda está por ser escrita. E não só a respeito de mapas. 

ELIAS THOMÉ SALIBA É HISTORIADOR, PROFESSOR DA USP E MEMBRO DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE HISTORIADORES DO HUMOR

UMA HISTÓRIA DO MUNDO EM DOZE MAPAS
Tradução: Pedro Maia Soares
Editora: Zahar (564 págs., R$ 89,90)

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