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Obra mostra Sócrates notável dentro e fora das quatro linhas

Escrito por Andrew Downie, jornalista escocês, livro chega ao País depois de lançado na França, Itália, Polônia e Turquia

Foto do author Daniel Fernandes
Por Daniel Fernandes
Atualização:

Sócrates foi, nas palavras do jornalista Andrew Downie, um “fora de série dentro e fora do campo”. E ele está com toda a razão. Meio-campista de uma das melhores seleções do Brasil de todos os tempos, a que disputou o Mundial da Espanha em 1982, revelação do Botafogo de Ribeirão Preto campeão do primeiro turno do Paulista de 1977 – na época o Paulistão era mais importante do que o Brasileirão e a Libertadores juntos –, ícone do movimento conhecido como Democracia Corintiana, um dos símbolos da luta pela redemocratização do País na década de 1980.

Sócrates comemora após marcar gol do Corinthians contra a Ponte Preta na final do Campeonato Paulista de 1979 Foto: Alfredo Rizutti/Estadão

É esse jogador, mas também o homem – gente como a gente, como descreve o irmão Raí no prefácio –, que o leitor vai encontrar em Doutor Sócrates – A Biografia, livro que a editora Grande Área acaba de lançar no País. Escrita por Downie primeiro em inglês e lançada em 2017, a obra ganhou traduções para o francês, italiano, polonês e turco antes de, enfim, ter uma versão em português.  Andrew passou dois anos trabalhando no livro. Só para Ribeirão Preto, cidade no interior do Estado em que o jogador viveu e deu seus primeiros passos futebolísticos, o jornalista escocês foi dez vezes. Pegava a estrada na quinta à noite ou sexta pela manhã, fazia entrevistas na própria sexta e no sábado e deixava a cidade no domingo à tarde. Andrew foi a Santos e ao Rio de Janeiro, mas também a Firenze, para reconstituir os vacilantes passos do meio-campista quando defendeu a Fiorentina da Itália.  Isso sem contar as horas e mais horas de pesquisas em hemerotecas instaladas em bibliotecas aqui em São Paulo e em Ribeirão Preto. O resultado é um livro de 432 páginas em que o futebolista e o homem são expostos com verdade objetiva, mas com admiração também. “Nunca gostei de biografia chapa-branca. Nunca gostei porque ninguém é perfeito. Se não escrevesse toda a história (de Sócrates), para mim, seria traição ao leitor. Mas não dá para passar dois anos com essa pessoa (no sentido de pesquisar sobre a vida) sem gostar dela. Sócrates sabia onde errou. Mas a luta pela democracia foi mais importante que seus erros”, afirma Downie, em entrevista ao Estadão. Nunca é demais lembrar. Na década de 1980 o movimento pelas Diretas-Já visava à aprovação de uma emenda constitucional no Congresso Nacional – emenda conhecida como Dante de Oliveira, nome do deputado federal que a propôs – que permitiria a votação direta para escolher o novo presidente da República, colocando fim ao golpe civil-militar de 1964 que suprimiu direitos individuais dos cidadãos, provocou perseguições e mortes de dissidentes políticos.

Pacaembu, 3 de novembro de 1982: Sócrates veste a icônica camisa com a inscrição 'Dia 15 Vote' Foto: Antonio Lúcio/Estadão

Participar desse momento, aliás, motivou o repórter a questionar o biógrafo: por que não há hoje jogadores como Sócrates? “Seria leviano dar os motivos”, afirma Downie. Mas o que vem a seguir, em sua resposta, funcionaria até como um pequeno manual para a atual geração de jogadores (ou melhor, de cidadãos brasileiros) de todas as idades.  Segundo o biógrafo, Sócrates cresceu em uma família em que a educação era importante, ele também era curioso: ia ao cinema, teatro, lia livros. Os jogadores, hoje, talvez sejam apenas especialistas em jogar futebol. Durante o dia, nos campos, e à noite, no PlayStation, como lembra Downie como uma brincadeira.  O meia era notável fora do campo por se posicionar politicamente e pensar os problemas do País, mas também por enfrentar severos danos à saúde causados pelo abuso do álcool, que levaram a sua prematura morte no dia 4 de dezembro de 2011, então com apenas 57 anos. Mas Sócrates foi mais do que notável, foi um extraclasse dentro das quatro linhas. Andrew não lembra a primeira vez que viu o meio-campista jogar, mas lembra de sua atuação na Copa de 1982, quando o Brasil, inclusive, derrotou a Escócia.  Para o biógrafo, assim como para muitos, o aspecto mais característico do futebol praticado por Sócrates era o calcanhar. Mas não o calcanhar no sentido esnobe, o gesto para humilhar o adversário, não a jogada para menosprezar o oponente. “Sócrates era alto, muito magro e tinha o pé pequeno. Ele jogava contra caras fortes e ele dizia: ‘Se eu não me livrasse logo da bola, o adversário me pegaria, eu tinha de me livrar rápido da bola e o jeito mais fácil era usar o calcanhar’. O uso do calcanhar vinha disso”, relembra Andrew, ao que o autor do texto acrescenta: “Era inteligente”, mas o biógrafo define melhor: “Era pragmático”. O livro que chega às lojas tem prefácio escrito por Raí. Também meio-campista, também da seleção brasileira, mas que defendeu o rival São Paulo – e jogava com a 10, não com a camisa 8. É do irmão a frase que dá o tom do que vem pela frente no livro de Andrew: “Um símbolo de resistência do que nunca mais queremos viver”. É esperar pra ver.

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