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Coluna semanal da jornalista Maria Fernanda Rodrigues com dicas de leitura

Opinião|O xadrez e o sonho

'Outra Novelinha Russa' conta a história de chileno que parte para Moscou no início dos anos 1990 com um sonho excêntrico

Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

Você não precisa gostar ou entender de xadrez, nem mesmo se interessar pelo esporte para ler Outra Novelinha Russa. Breve ficção do escritor chileno Gonzalo Maier lançada em março pela Dublinense, ela conta a história de um aposentado que, de uma hora para outra, decide realizar um sonho adormecido: jogar xadrez no Boulevard Tverskoy, em Moscou.

Na verdade, era bem mais do que isso. Seu plano, alimentado em silêncio por anos a fio e deixado para trás porque a vida seguiu outro rumo, era nada menos do que vencer adversários russos e, assim, ajudar a acabar com o comunismo.

Paixão pelo xadrez é pano de fundo de 'Outra Novelinha Russa' Foto: Pixabay/ha11ok

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Mas vamos voltar para o começo. Emanuel Moraga vivia sua tranquila e solitária vida em Punta Arenas, no extremo sul do Chile, num dia qualquer do início dos anos 1990. Com a neve lá fora, uma manta sobre os joelhos e um chazinho de melissa nas mãos, ele assiste a um documentário sobre a vida cotidiana na Rússia. O muro de Berlim tinha acabado de cair, e o interesse desse arquiteto aposentado pelo distante país e pelo xadrez vinha de longa data.

Pelo xadrez, talvez da época em que via seu pai jogando contra ele mesmo. Em acabar com os comunistas e a União Soviética, talvez desde Pinochet. Ou desde que apareceu um eletricista em sua casa e lançou uma ideia, que ele, que até então “via com admiração o golpe de Estado, a luta contra o comunismo e a ditadura, que ele preferia chamar de governo militar”, viria a perseguir secretamente desde seus 47 anos. Naquele momento, ele entendeu que, individualmente, poderia fazer algo.

Os anos se passaram, sua mulher Pamela morreu, o filho era um estranho vivendo em outra cidade. Quando acordou do cochilo solitário na frente da TV, com a voz do narrador falando sobre a Rússia naquele início dos anos 1990, decidiu que era hora de agir. Não tinha mais nada a perder.

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Leve, mas melancólico, o livro narra esse despertar de Moraga e a busca de realização desse sonho. Na agência de viagens local, ele comprou a passagem e escolheu a dedo a localização do hotel: tinha de ser na frente do parque que tantas vezes tinha visto na televisão, onde encontraria “senhores sentados sobre bancos de madeira jogando xadrez” e constataria que realmente “eles existiam fora daqueles documentários”.

Sem falar a língua, ele vai do hotel decadente ao boulevard, se comunica como pode e como quer, dorme pouco, se perde entre sonho, delírio e realidade, se perde pelas ruas num “transe esquisito”. Continua conversando com sua mulher morta, está confiante que derrotará os maiores enxadristas e está feliz – sentindo-se vivo de novo, enfim.

Outra Novelinha Russa Autor: Gonzalo Maier Editora: Dublinense (96 págs.; R$ 54,90; R$ 39,90 o e-book)

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