O Teatro e Henry James

A edição dos ensaios teatrais (1) de Henry James reaviva a lembrança de suas relações singulares com a arte cênica.

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Por João Bethencourt
Atualização:

Eis um escritor que amou o teatro, que escreveu teatro e a respeito de teatro, que frequentou teatro com ardor de "aficcionado". Em suas analises do drama vitoriano mostrou-se observador argutissimo. As criticas de James possuem em alto grau aquilo que o "reviewer" de hoje tenda a perder ou a negligenciar: a evocação sensivel do espetaculo. E, no entanto, apesar de tais contactos e conhecimento, jamais logrou realizar uma de suas maiores ambições: sucesso como autor teatral.

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À primeira vista teríamos aí um exemplo típico do velho conflito: gênero dramático versus gênero narrativo; raro coexistir, no mesmo escritor, talento para ambos. Assim, Henry James seria apenas um entre muitos romancistas que amaram o teatro sem saber expressar-se através de suas convenções. Dickens, por exemplo, cujos romances têm tanta coisa de cênico, e que possui muito mais que Henry James o poder de dar voz, figura e caracterização a sentimentos e a estados de alma, foi incapaz de escrever uma peça que se comparasse aos seus romances. Isto, a despeito de seu interesse pelo teatro e seu dom inato de interprete.

Realmente, a disciplina do drama é pesada, esterilizante até, para quem se acostumou a ou tem necessidade de um maior espaço de expressão. Limitar-se a uma situação central, daí fazer nascer a ação principal, única; subordinar-lhe todas as acessorias eventuais; concentrar tempo, espaço, numero de personagens, não são condições propiciatorias à inspiração do romancista. O seu senso de realidade rebela-se contra as coincidencias arbitrarias que o drama lhe impõe; recusa as motivações que têm de ser imediatas, cumulativas, e as improbabilidades que, às vezes, se disfarçam num jorro de lirismo, de comicidade ou de emoção.

No drama, as varias sugestões poeticas ou filosoficas só podem ser exploradas na medida em que fazem andar a ação; no romance, o menor incidente pode desenvolver-se quanto o escritor deseje. Fará observações, comentarios, aparições pessoais; elas constituirão, talvez, a melhor parte da obra. Tudo que interessa a sua sensibilidade é passivel de desenvolvimento; as limitações de seu folego criador.

O curioso em Henry James é a plena consciencia destas diferenças, não só como critico mas também como artista. O autor de "The Wings of The Dove", quando tenta o teatro, transforma-se, adapta-se às suas convenções, compõe para a cena. Procura mesmo atingir o exito comercial.

Escreveu varias peças: uma das primeiras: "The American", adaptada do romance do mesmo nome, teve sucesso bastante para espicaçar as esperanças do autor. O fracasso de "Guy Domville" e a experiencia penosa da vaia de uma parte da platéia desanima James, apesar dos elogios de uma minoria, de um Bernard Shaw. E das tentativas posteriores, nenhuma tem, realmente, exito.

Como são as peças de Henry James? Em que diferem de seus romances?

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Estes, apesar de não lhe conquistarem a fortuna que almejava, granjearam suficiente reconhecimento e apreço de um público mais seleto. O teatro, pelo contrario, pouco ou nada contribuiu para sua gloria.

Henry James tomou como modelo a escola de autores franceses: Scribe, Augier, Dumas Fils. A carpintaria, o senso de situação, que dominavam,fascinava-o. Copiou-lhes as formulas, com resultados desastrosos. Pois não se dera conta de um dado importante: a estereotipia também exige uma certa fidelidade; isto é, uma peça escrita sob formula deve obedecê-la em toda a linha. Todas as "inspirações" do autor têm que se processar dentro da formula que propôs seguir, do contrario destruirá exatamente a unidade garantida pela formula adotada. Faltou a James a habilidade de copiar os outros. (Podemos dizer também que era excessivamente bem dotado para poder chegar a isso. Em outras palavras: mesmo querendo, não conseguia deixar de ser Henry James). Há passagens em suas peças - diz Shaw - que nenhum autor inglês de seu tempo conseguiria igualar. Por outro lado, há efeitos melodramaticos dignos do pior "grand guignol" e personagens totalmente improváveis.

O erro de James não escapou a criticos de certa intuição como William Archer. Se James fôsse mais ele mesmo - disse Archer - suas possibilidades de sucesso teriam sido maiores. Infelizmente - e isto Archer não podia perceber - faltava um elemento essencial no teatro do fim do seculo passado, que permitiria a Henry James compor peças dignas de sues romances; um estilo de representar capaz de exprimir aquele mundo de nuances e de insinuações, cuja dramatização constitui um dos poderes de James como romancista. O estilo dos atores do seculo passado era enfatico, romantico; altamente exteriorizado. Dava aos personagens uma dimensão maior que a real; inflava sentimentos, emoções, motivações- um estilo em tudo avesso à delicadeza da percepção Jamesiana.

Para Henry James, a tentativa de escrever "comercialmente" resumia-se, em ultima analise na criação de peças que o estilo de interpretação e encenação de seu tempo pudesse apresenta no palco. E, justamente isso era contraio às suas tendencias mais profundas de escritor. Bastas recorrer às rubricas de suas peças, explicando o que o personagem sente e como deve comportar-se. São copiosissimas, excessivas, principalmente nas ultimas peças, e correspondem, em parte, ao que um diretor recomendaria ao ator de hoje, a fim de evocar nele o estado psicologico certo para o personagem.

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Vale lembrar que, neste mesmo tempo, a fim de poder montar peças baseadas em efeitos mais delicados e indiretos, Stanislavsky teve que descobri um novo estilo de representação.

Outros fatores contribuiriam para o fracasso de Henry James dramaturgo. Não se pode, porém, diminuir a importancia deste que citamos. O estado de adiantamento em que se encontra o teatro de certa epoca, aquilo que é ou não é capaz de comunicar com certa eficiencia, atua decisivamente na seleção dos autores que escreverão para ele, no clima de sua dramaturgia.

Talvez mesmo num teatro como o atual, Henry James não atingisse a popularidade; contudo, é de uns quinze anos para cá, com o amadurecimento de um estilo de representar mais intimista, mais rico de meios-tons, que emergem as excelentes peças que pulsavam em "Washington Square", em "The Turn of the Screw". E já criticos, como Herbert Read, sugeriram uma reavaliação dos dramas de Henry James, principalmente dos posteriores ao fracasso de "Guy Domville".

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Continuarão a interessar apenas a uma platéia de "happy fews"? Ou aparecerá algum diretor habil, mais capaz de lidar com as incongruencias melodramaticas, recriando, na cena, a despeito delas, aquele clima sutil de emoção intensissima que caracteriza "Portrait of a Lady" ou "The Beast in the Jungle"?

O tempo dirá.

(1) "The Scenic Art - Notes on Acting and the Drama: 1872-1901".

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