PUBLICIDADE

O humor depreciativo de Gary Shteyngart

No livro ‘Fracassinho’, autor russo relembra sua própria vida com doses de ironia e estranha tristeza

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil
Atualização:
O escritor russo-americano Gary Shteyngart Foto:

Igor Shteyngart tinha sete anos, no final dos anos 1970, emigrou da União Soviética para os EUA. Seus pais, para evitar que o moleque sofresse bullying no bairro, trocaram seu primeiro nome para Gary. O problema é que humilhação já começava em casa. Diz ele: “Porque eu vivia doente e com o nariz escorrendo quando criança (e na idade adulta), meu pai me apelidou de ‘Soplyak’ – Melequento. Minha mãe, que estava desenvolvendo uma fusão interessante de inglês com russo, aprimorou o termo para ‘Failurchka’, ou Fracassinho”.

É justamente Fracassinho o título do novo livro de Shteyngart, divertida mistura de biografia com ficção, que a Rocco acaba de lançar. Com o típico humor auto depreciativo, Shteyngart não apenas diverte como intriga pela trama bem articulada e envolvente.

PUBLICIDADE

Na sua obra, a ficção e a realidade às vezes coincidem. Ao escrever seu livro de memórias, você desejou ocultar alguma coisa porque já havia escrito a respeito num romance?

Existem alguns similaridades entre o meu ser e alguns dos cabeludos imigrantes judeus soviéticos em meu romance. Mas o que ocorre com eles nos romances é muito mais melodramático e insano. Por exemplo, jamais tentei comprar uma cidadania belga falsificada ou entrar para a máfia russa como os meus alter egos fizeram. Mas felizmente minha vida foi bastante interessante sem a criminalidade.

A figura do pai é muito importante para você. Por que?

Ah, sim. Pais e filhos. O pai exerce um domínio avassalador durante toda a nossa vida, para o bem como para o mal. De qualquer modo, escreve-se extensivamente sobre a mãe judia. Então, por que não o pai?

Você escreve num estilo de sátira particular. É uma peculiaridade russa? Ou adotou-o conscientemente?

Publicidade

Adoro a sátira! A Rússia é um país que merece um bom olhar satírico. E os tempos que vivemos lá quando o mal e a estupidez colidem diariamente são perfeitos para a sátira.

Você acompanhou seus pais pela Rússia com um gravador de vídeo. Há alguma entrevista que se destaca como particularmente dolorosa ou reveladora?

Oh, cada momento foi doloroso e revelador. Descobri principalmente o quão difícil foi a sua vida em comparação com a minha. Hitler e Stalin garantiram uma infância interessante.

É interessante quando você começou a fazer psicanálise. O quão importante foi isto em seu processo criador? 

PUBLICIDADE

Eu não teria conseguido escrever este livro sem os 15 anos de psicanálise. Mas faço apenas quatro vezes por semana. Cinco vezes é uma loucura!

David Slone Wilson, em seu ensaio Evolutionary Social Construction, observa que constantemente nos construímos e reconstruímos para atender às necessidades de situações com que deparamos. Segundo ele, agimos assim orientados por nossas lembranças do passado e nossas esperanças e temores do futuro. O que o senhor acha?

Parece-me correto. E o imigrante está sempre em processo de readaptação. Crescer na Rússia para mim foi terrível. Depois foi ótimo. Hoje é terrível novamente. Devo vestir minha camisa de cossaco ou não?

Publicidade

A experiência do imigrante há muito tempo é uma grande preocupação da literatura americana e isto vem sendo retomado nos últimos anos por vários escritores que chegaram à maturidade numa era de globalização. O quão difícil é para um imigrante se integrar plenamente na vida americana?

Em Nova York todo mundo vem da China, ou Brasil, Índia ou Rússia. Esta é a cidade dos Brics. Então venha até aqui e compre um apartamento ao lado do meu. Preciso de alguma “farofa” em minha vida.

Que tal ser considerado a mistura de Woody Allen e Nabokov?

Acho ótimo! Vou usar isto da próxima vez. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.