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Novos livros evidenciam a volta da poesia indispensável de Manoel de Barros

Poeta, que completaria 100 anos em dezembro, criou uma linguagem simples e extremamente original

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Por Ubiratan Brasil
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Leitor dos sermões do padre Vieira, hábito que o ensinou, ainda jovem, a admirar a formação e utilização das palavras, Manoel de Barros manteve o mesmo ritmo de trabalho até sua morte, em novembro de 2014, aos 97 anos: diariamente, às 7 horas da manhã, ele se dirigia ao andar superior de sua casa, em Campo Grande, onde se encontra o que chamava de “escritório de ser inútil”.

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Lá, cultivava a palavra com esmero. Afinal, Manoel de Barros sempre foi conhecido pela linguagem artesanalmente construída, sem se ater a convenções gramaticais ou sociais, mas sempre em busca da simplicidade. “Ele busca a gramática que fica antes da gramática, é o que chamo de ‘aquém da linguagem’”, observa o crítico e também poeta Italo Moriconi, supervisor das novas edições da obra de Barros agora preparadas pela Alfaguara, iniciando os festejos pelo centenário de nascimento do poeta, que acontece em dezembro.

Duas obras já foram lançadas – um dos volumes traz os dois primeiros livros publicados pelo poeta: Poemas Concebidos Sem Pecado, de 1937, e Face Imóvel, de 1942. Trabalhos em que Manoel de Barros já ensaiava seu estilo livre. O segundo lançamento, Arranjos para Assobio, teve primeira edição em 1982, que marca o estilo que o consolidaria a partir daquela década. Todos os volumes vão trazer reproduções de curiosos itens que fazem parte do baú de Manoel como fotos, manuscritos e missivas recebidas de amigos, como uma carta de Carlos Drummond de Andrade e um bilhete de Millôr Fernandes. O material foi selecionado pela filha do escritor, Martha Barros.

Pantanal. O poeta Manoel de Barros, em sua fazenda Foto: Divulgação

Ao longo de várias décadas de produção, Manoel de Barros consolidou-se como um poeta da liberdade de expressão. “Gosto do idioleto, da linguagem característica de sua poesia”, comenta Moriconi. “Ele deve ser valorizado, em primeiro lugar, justamente por sua singularidade radical, por ser único, parecido apenas com Guimarães Rosa e alguns outros escritores menores do sertão.”

O organizador da coleção concorda com o crítico José Castello, para quem o objetivo da poesia de Manoel não é o de explicar, mas de “desexplicar”. “O jogo de desfazimento e refazimento é central na estratégia poética de Manoel. Ele deseja ser (e é) o poeta dos pequenos nadas, dos inutensílios, das ignorânças. Esse é o lugar que ele ocupa no cânone de nossa poesia literária.”

Italo Moriconi rebate também os críticos que consideram Manoel de Barros um prosador com frases quebradas. “A quebra de frase é crucial na definição moderna e contemporânea de poesia, pouco importa se ela incide nos versos clássicos metrificados de até 14 sílabas, ou se incide no verso livre longo ou longuíssimo. Cabe ao leitor atento verificar se essa quebra atende a necessidades de expressividade e de rítmica, concretizando-se como poesia, ou se é artificial, apenas um disfarce para a prosa”, explica.Livros trazem cartas, bilhetes e manuscritos do poeta, selecionados pela filha Martha Barros no baú pessoal Não bastasse recuperar a poesia indispensável de Manoel de Barros, os livros lançados pela Alfaguara trazem pequenos tesouros: reproduções de documentos e imagens do arquivo pessoal, organizadas por sua filha, a artista plástica Martha Barros. Como a carta enviada por ário de Andrade em 1942, comentando o livro Face Imóvel. “Há na maioria dos versos uma real intensidade de poesia, poesia em vertical, mesmo diante dos temas objetivos que você se compraz em descrever”, afirma.

Sobre a mesma obra, Manoel recebeu, também em 1942, uma carta datilografada de Carlos Drummond de Andrade. O grande poeta mineiro já vislumbrava as qualidades que tornariam Manoel imortal: “Penso que você, através desse livro, mostrou possuir os elementos essenciais de uma poesia cheia de humanidade e pungente lirismo”.

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Curioso ainda é um bilhete enviado por Millôr Fernandes, em 1982, respondendo ao convite para ilustrar a capa de um livro de Manoel. “Nem sei por que você quereria uma capa minha”, diz Millôr. “Seus versos são tão superiores (...) que não sei em que lhe serviria meu desenho demasiado explícito.”

POEMAS CONCEBIDOS SEM PECADO E FACE IMÓVELAutor: Manoel de BarrosEditora: Alfaguara (128 págs.,R$ 34,90) ARRANJOS PARA ASSOBIOAutor: Manoel de BarrosEditora: Alfaguara (128 págs.,R$ 34,90)

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