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Nova antologia da poesia brasileira organiza a nossa 'pornografia'

'Antologia da Poesia Erótica Brasileira', de Eliane Robert Moraes, reúne 235 poemas de pelo menos 125 autores - de Gregório de Matos a Mário de Andrade, de Olavo Bilac a Ana Cristina César

Por Guilherme Sobota
Atualização:

Poemas sacanas, quadras escatológicas, elegias mais ou menos trágicas e uma profusão de sonetos picantes: a literatura brasileira pode agora se orgulhar de contar com uma “pornografia organizada”. É a Antologia da Poesia Erótica Brasileira, que a Ateliê Editorial publica com organização da professora da USP Eliane Robert Moraes e ilustrações de Arthur Luiz Piza.

São 235 poemas de pelo menos 125 autores (mais os anônimos) publicados originalmente desde a segunda metade do século 17 - Gregório de Matos é o ponto cronológico inicial da antologia, que reúne nomes famosos como Gonçalves Dias, Mário de Andrade e João Cabral de Melo Neto e também poetas não tão conhecidos, como Bruno Seabra (1837-1876), Moysés Sesyom (1883-1932) e Angela Melim (1952). Além dos poetas anônimos.

Ilustrações. Arthur Luiz Piza cedeu os desenhos para o livro Foto: Arthur Luiz Piza

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Professora de Literatura Brasileira na FFLCH da Universidade de São Paulo (USP), Eliane acumulou anos de estudo do erotismo na literatura francesa para, desde 2005, começar a pensar na organização da erótica brasileira. Provocada por amigos, encontrou num prefácio para Macunaíma, escrito em 1926 pelo próprio Mário de Andrade, uma comparação provocante. “Uma pornografia desorganizada é também da quotidianidade nacional”, dizia o paulistano, em contraposição às culturas de outros países, especialmente europeus. “A pornografia entre eles possui caráter étnico. Já falam que se três brasileiros estão juntos, estão falando porcaria... De fato”, conclui o autor, citado por Eliane no prefácio à Antologia.

“O erotismo é uma dimensão fundante da nossa humanidade”, comenta a organizadora, por telefone, ao Estado, “e ninguém fica de fora disso - ele concerne quem pratica, quem não pratica, quem pratica com o mesmo sexo, com outro”. Para ela, a literatura erótica na verdade é um processo de representação disso, “de alguma coisa que é muito misteriosa, da nossa existência”. A ideia, explorada mais profundamente por Eliane no prefácio, é que “antes de ser um modo de pensar o sexo, o erotismo literário é um modo de pensar a partir do sexo”.

Em grande parte, os versos são deliciosamente impublicáveis neste espaço, mas o leitor pode esperar encontrar um pouco de tudo - sexo, claro, mas também escatologia, passeios pela religião e mesmo pela morte, e muito humor, tudo numa mistura de lirismo, (des)amor e comédia. A antologia é abrangente.

“É possível notar uma sensível entrada da (poeta) mulher a partir sobretudo da segunda metade do século 20”, diz, citando Ana Cristina César, Glória Ferreira, Maria Lucia Dal Farra, Claudia Roquette-Pinto e Angela Merlim, escritoras cujas obras são muito diferentes entre si. “Acompanha o movimento social - e temos até uma organizadora de antologia, um negócio impossível no começo do século 20”, comenta Eliane, que se mirou também no trabalho da poeta e ativista portuguesa Natália Correia, organizadora de uma antologia de poesia erótica portuguesa, lançada em 1966, com a qual enfrentou denúncias na justiça em nome dos “bons costumes”.

Outra questão sugerida por Eliane é a não existência de uma diferença estética entre os conceitos de “pornografia” e “erotismo”. “Não é o grau de obscenidade que delimita a diferença entre os dois termos, é a qualidade estética; para mim, são sinônimos”, explica. Ela propõe a existência de um erotismo comercial, malfeito, e um bem feito, com composições, imagens e formas apuradas - e é isso. “A obscenidade pode ser estética”, completa Eliane.

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O exemplo mais claro dessa afirmação talvez sejam os Cantares de Sulamita, de Dalton Trevisan, reunidos no livro. “Se você não me agarrar todinha / aqui agora mesmo / só me resta morrer // se não abrir a minha blusa / violento e carinhoso / me sugar o biquinho dos seios / por certo hei de morrer (...).” 

Os poetas anônimos - alguns deles antes recolhidos por Mário de Andrade, Pedro Nava e outros - também ocupam um papel importante no livro. “É superbonita essa sacanagem popular”, comenta Eliane, “a que Mário teve uma escuta muito grande”. Está nos planos da pesquisadora - “se eu enlouquecer”, brinca - organizar uma nova antologia só com esse material. 

ANTOLOGIA DA POESIA ERÓTICA BRASILEIRA

Org.: Eliane Robert Moraes

Ilust.: Arthur Luiz Piza

Editora: Ateliê Editorial (504 págs., R$ 82)

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