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Julio Cortázar é reverenciado com discrição em Paris

Na capital francesa, os traços de sua passagem ainda são modestos

Por Andrei Netto - CORRESPONDENTE
Atualização:

PARIS - Na Paris deserta de agosto de 2014, auge do verão europeu, buscar os traços de Julio Cortázar na cidade que adotou entre 1951, quando de seu exílio, e sua morte, em 1984, é em si um exercício de redescoberta do autor. O escritor argentino escreveu muito sobre a capital francesa, mas sua memória é reverenciada com discrição.

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Nas ruas parisienses, os traços do autor são modestos: eles estão na casa em que viveu até seus últimos dias, na Rue Martel, no 10º Distrito, na residência de uma de suas ex-esposas, a escritora e tradutora Aurora Bernardez, no 15º Distrito, ou em seu túmulo, no cemitério de Montparnasse, local de alguma peregrinação de jovens leitores e escritores.

Cortázar pode não ser visível aos olhos do grande público na França, mas nem por isso deixa de ser incontornável. Em livrarias e bibliotecas, e no interior dos muros das universidades francesas, sua obra é muito pulsante. Mesmo sendo menos cultuado que Jorge Luis Borges entre leitores europeus, e talvez menos célebre hoje do que Gabriel García Marquez, recém-falecido, o autor de Rayuela continua a ser uma das maiores referências em termos de literatura hispano-americana entre acadêmicos da Europa. 

Não por acaso o ano de 2014 é pródigo em colóquios, seminários e reedições de suas obras em países como França e Espanha. “Na Universidade, Cortázar continua importante, sendo estudado por especialistas em sua obra no Reino Unido, na Alemanha, na Espanha. Eles o mantêm de alguma forma vivo”, explica Joaquín Manzi, professor do Centro de Pesquisas dos Mundos Ibéricos Contemporâneos (Crimic) da Universidade Paris-Sorbonne. “Entre os estudantes, Cortázar também suscita muito interesse e continua a exercer grande atração. Para mim é o aspecto mais importante: sua obra permanece atual, viva.”

No meio acadêmico e literário, o centenário vem sendo celebrado em Paris há vários meses. A rigor, Cortázar vem sendo lembrado desde 2012, quando dos 50 anos do chamado “boom latino-americano” - a descoberta da riqueza de talento, da poesia, da audácia e do humor dos autores da América hispânica. Então seu nome ganhou relevo, ao lado de outros latino-americanos: Ernesto Sábato, Carlos Fuentes, Juan Rulfo, Garcia Marquez, Mario Vargas Llosa.

Mas a espiral de homenagens teve como o maior tributo individual o Salão do Livro de Paris, realizado em março passado, quando a Argentina foi o país-homenageado. Lá estava em destaque o original de Rayuela, além de um mural que lembrava os pontos-chave de sua vida: o nascimento na Bélgica, em 1914, sua infância e adolescência em Buenos Aires, sua transferência para Paris, em 1951, sua passagem pela Unesco, seu engajamento político como homem de esquerda e, claro, suas obras.

Entre elas, talvez as que ganhem mais destaque em Paris sejam Livre de Manuel, de 1974, pelo qual recebeu o Prêmio Médicis, um dos mais importantes da literatura francesa, e Marelle, como Jogo de Amarelinha (1963) é conhecido na língua de Molière.

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No segundo semestre, uma série de eventos sobre a herança de autor pipocará na França e na Europa como parte das festividades “Cien años con Julio”. A maior homenagem, porém, talvez sejam as reedições de seus livros - uma avalanche nos últimos meses. Gallimard, um dos mais respeitados editores do país, publicou em 2014 a coletânea de contos Façons de Perdre, assim como Les Autonautes de la Cosmoroute e Un Voyage Intemporel Paris-Marseille.

Também vieram a público o livro ilustrado La Racine de l'Ombú, com desenhos de Alberto Cedron, ou ainda - talvez sobretudo - Pages Inespérées (Papéis Inesperados), editado por Aurora Bernardez, hoje com 94 anos, com prefácio e tradução de Sylvie Protin, uma das experts na obra do escritor na Europa. “A maior parte desses textos são também microcontos nos quais o personagem central é a linguagem”, explica Sylvie. 

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