'Jim Morrison brasileiro' é ex-ator pornô em livro do líder do Porcas Borboletas

Danislau cria uma versão do vocalista do The Doors, roqueiro, narrador de strip-tease e sedutor incorrigível

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Por Pedro Antunes
Atualização:

 Aquele posto de gasolina na beira da estrada é familiar. O pouco movimento ao som do ronco de motores e caminhões e automóveis ocasionais. Lá dentro, um boteco comum, um balcão comum, um vendedor comum. É quase possível sentir o gosto de terra vermelha na boca e o asfalto queimando sob os pés na narrativa escrita por Danislau, de 36 anos, apelido adotado por Danilo Teixeira, vocalista da banda mineira Porcas Borboletas e professor de literatura em São Paulo. 

Hotel Rodoviária é o primeiro livro de prosa de Danislau, lançado agora, nove anos após o debute dele na literatura, com as poesias de O Herói Hesitante: Autobiografia de um Anônimo. Após passar por São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Uberlândia, para lançar o livro, o músico e escritor se prepara para chegar a Salvador em 8 de janeiro e, na mesma data, lançará de forma gratuita a versão digital da publicação no site www.hotel-rodoviaria.com.

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Realidade e ficção alucinógena caminham de mãos dadas na narrativa de Danislau e no mundo (quase) imaginário para o qual somos transferidos em pouco mais de 100 páginas. Conhecemos Jim da Silva, detestamos Jim da Silva, nos apaixonamos por Jim da Silva. Sujeito como poucos, Jim é uma cópia escancarada de um xará mais conhecido, Jim Morrison. “Só que muito mais decadente”, explica um personagem no livro. “Vai no Google imagens, imprime uma foto do Jim Morrison, mija em cima, deixa o papel estorricar no sol. Pronto, será o Jim da Silva perfeito e acabado”. Danislau também explica: “Jim da Silva é um personagem que guarda um pouco desse arquétipo de roqueiro incorporado por um brasileiro. Jim da Silva nasce da observação da manifestação desse arquétipo de Morrison, Mick Jagger, incorporado em um jeca, em um caipira, nesse garoto do sertão de Goiás”. 

Como o autor e o líder do The Doors, Jim também é roqueiro e vocalista de uma banda, a Dudu Eat Yourself, mas o ofício de cantor é, disparadamente, o menos interessante na trajetória do personagem. Instrutor de artes marciais, juiz de boxe escorraçado, ator pornô que se apresentava em inferninhos ao vivo e, a profissão mais divertida, narrador de strip-tease. 

A presença e a citação do ato sexual dialogam diretamente com o mais recente trabalho do Porcas Borboletas, em disco que leva o nome do grupo lançado no ano passado - quando o livro era gestado. A faixa Todo Mundo Está Pensando em Sexo é quase uma extensão do mundo de Jim, embora o coito não seja a principal força motriz que leva o personagem aos diferentes cantos da América, do norte do México à Argentina, em um universo no qual os dois pontos não são tão distantes assim. “É uma geografia quântica que aproxima Manaus de Buenos Aires. É uma geografia pessoal”, explica Danislau. 

Hotel Rodoviária é constante movimento, com as desventuras de Jim e a caçada por ele. Road movie e faroeste, dois gêneros cinematográficos, encontram-se em um diálogo congruente com a escrita de Danislau. Linguagem cinematográfica impera neste trabalho iniciado há seis anos, quando Jim se materializou na mente do autor. “Comecei a rir com as primeiras manifestações desses personagens”, diz Danislau. “Deixava a pena escorregar sozinha. Depois disso, passei por um processo dirigido, estruturando a história.” 

A obra é dividida em três partes e Jim estrela, mesmo, apenas a primeira. Depois, é caçado por ter transado com a esposa do patrão - não conte com a obviedade quanto aos motivos pelos quais o antigo chefe e a esposa desejam ter o anti-herói da história de volta. 

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Como todo bom faroeste, seguimos dois pistoleiros deliciosamente chamados Marco Nicarágua e Churrasco Bill na jornada para encontrar Jim. Bebericamos com eles uma pinga especial, vendida por um ex-pistoleiro, dono de uma venda em frente a estrada. Danislau descreve cenas impressas nas memórias das viagens com o Porcas, “uma banda estradeira”, como diz ele. Na estrada, postos de gasolina e vendinhas surgem e desaparecem no horizonte ao sabor do pé no acelerador, assim como em Hotel Rodoviária. Por isso, não custa tomar cuidado com uma pinga com cobra coral no interior da garrafa.

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