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Livro de Ivan Sant’Anna aponta as falhas responsáveis pelo naufrágio que matou 55 pessoas em 1988

Ao longo das 168 páginas o leitor vai se indignando junto com Sant’Anna com as sucessivas falhas que levaram ao acidente

Por Roberta Pennafort
Atualização:

RIO - Em 2015, Ivan Sant’Anna completou 20 anos dispensados à literatura. Operador do mercado financeiro por quase quatro décadas, ele já escreveu 15 livros, cujas vendas somam, em suas contas, cerca de 180 mil exemplares. Apenas cinco deles são relatos de tragédias – o maior sucesso foi Caixa Preta (2000, Editora Objetiva), em que reconstituiu três desastres aéreos que marcaram a história da aviação brasileira, em 1973, 1988 e 1989 –, mas ainda assim é por esse gênero que ele é conhecido.

“Todo mundo gosta de ler sobre desastre de avião. As pessoas têm medo de voar, mas são curiosas. Uma das razões para o Caixa Preta ter ficado em primeiro lugar nas livrarias foi porque na resenha saiu: ‘Se você tem medo de avião, não chegue perto desse livro’. Já vi gente lendo dentro do avião. O lugar onde mais vende é no aeroporto”, ele se diverte.

  Foto: AE

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O lançamento agora é Bateau Mouche – Uma Tragédia Brasileira (Objetiva), sobre o barco de nome francês que afundou na Baía de Guanabara na virada de 1988 para 1989, matando 55 pessoas. Como em publicações anteriores, ele narra uma história da qual todos já conhecem o final; o que não faz com que seja menos emocionante. Em especial quando o autor lembra as trajetórias pessoais dos passageiros que viriam a morrer e, depois, os heróis anônimos que salvaram cerca de 100 pessoas, transferindo-as para suas embarcações.

Ao longo das 168 páginas o leitor vai se indignando junto com Sant’Anna com as sucessivas falhas que levaram ao acidente: a aprovação, pela Capitania dos Portos, da transformação do pesqueiro construído nos anos 1970 para levar 20 pessoas num barco de turismo para 153; a falta de vistoria, por parte da própria Capitania e dos tripulantes, na noite do réveillon, de todas as instalações (havia furos no casco, um problema na descarga dos banheiros do subsolo e escotilhas abertas, o que permitiu a passagem de água); a má localização dos coletes salva-vidas, deixados inacessíveis aos passageiros porque haviam ocorrido roubos em viagens anteriores; a decisão equivocada do capitão, que, no afã de seguir até Copacabana, para o espetáculo de fogos que se iniciaria, aventurou-se em mar aberto a despeito das condições adversas do tempo.

“Eu nunca teria embarcado. Não gosto de réveillon nem de barco, tenho enjoo, e era um espaço apertado, cafona”, conta Sant’Anna, que concluiu no livro que a culpa do acidente não foi só dos militares, nem dos donos do Bateau Mouche, nem dos operadores de turismo, mas de todos os envolvidos nessa série de negligências, típicas de um país em que o descumprimento das leis se mantém como prática, entra ano, sai ano. Daí veio o subtítulo, que poderia ser trocado pelo clichê “uma tragédia anunciada”. “Essa sequência inteira de erros jamais teria acontecido num país sério”, considera.

Sant’Anna lança Bateau Mouche já pensando nos dois próximos livros: Eros, escrito em parceria com a poeta erótica Analu Andrigueti, e Voo Cego, sobre um acidente com um avião da Avianca que voava entre Bogotá, Medellín e Nova York, e que caiu em Long Island, partindo-se em dois, em 1990.

“Esse eu acho que vai ser meu grande best-seller. A ideia é lançar também em espanhol e em inglês. Todos os meus livros de aviação são. Desde que o avião foi criado esse é um assunto que empolga as pessoas”, aposta o piloto amador (ele parou por causa de um quadro de arritmia cardíaca) e autor de Plano de Ataque (2006), focado no atentado ao World Trade Center, em 2001, e Perda Total (2001), sobre um acidente de 1996 e dois de 2006, todos com dezenas de mortos.

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O escritor também está de olho nas negociações sobre publicações passadas: os direitos de Os Mercadores da Noite (1996), em que rememorou sua vivência no mercado financeiro, ele vendeu por US$ 200 mil para uma produtora norte-americana; Rapina (1996), retrato de negociatas brasileiras, foi adquirido para possível série ou filme brasileiros.

Sant’Anna, que em 2015 fez 75 anos, revela com empolgação e graça que trabalhou de 1958 a 1995 no mercado de capitais mesmo sem ter concluído o ensino médio. Foi “muito rico três vezes”, perdeu tudo, recuperou parte. A fortuna lhe permitia fretar jatos particulares quando chegava ao aeroporto e era avisado de que o voo comercial em que embarcaria estava atrasado. Outro luxo era viajar para ver o Fluminense Futebol Club jogar em qualquer lugar do mundo. Quando mais jovem, praticou um esporte esdrúxulo chamado autobol, um futebol de carros, em que os automóveis acabavam destruídos pela bola gigante.

Decidiu-se em 1994 pela literatura, caminho do irmão, Sergio Sant’Anna, vencedor de prêmios Jabutis, APCA e Portugal Telecom, e que seria ainda o do sobrinho, André Sant’Anna, filho de Sergio. “Sentei na varanda da minha casa e comecei a rabiscar num caderno escolar. Viajei para pesquisar, passei um mês em Nova York e em Chicago, fui à Europa, gastei uma nota mesmo sem saber se ia vender o livro para uma editora. Era Os Mercadores. Foi uma fortuna de Sedex, e não recebi nenhuma resposta. Em abril de 1995, larguei o mercado e escrevi Rapina, que se esgotou na primeira semana. Resolvi ser escritor na riqueza e na pobreza”, afirmou.

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