04 de julho de 2014 | 02h06
Ivan Junqueira tornou-se o que poderíamos chamar de um mestre. Ou seja, alguém capaz de reconhecer talentos, apontar caminhos e ao mesmo tempo contribuir com seu talento, inteligência e erudição em campos variados da expressão literária, abrindo caminhos e reafirmando valores. E com independência, alheio a modismos que acompanham todas as épocas e se tornam índice de valorização e depreciação da hora - os termos não aparecem aqui por acaso. Passou pelas barreiras sem sofrer arranhões.
Na poesia sua obra se abre em três vertentes. Primeiro na expressão própria, com obras tais como A Rainha Arcaica e A Sagração dos Ossos, marcadas pelo apuro técnico de métrica e rima sem nenhum constrangimento, pode-se dizer, com autenticidade, na medida em que a palavra seja entendida como a prática poética resultante do ajuste entre sensibilidade e matéria de expressão. No primeiro desses livros o poeta volta-se para o passado, a tradição, o idioma, a poética. No segundo, o lirismo explode num presente de alta voltagem, a leitura e a releitura são irresistíveis.
Depois vem o tradutor - atividade que se equipara à do poeta ao escrever a própria obra, com um desafio a mais: a busca de expressão não da sua subjetividade, mas da subjetividade alheia, mais, de outro idioma - uma espécie de escrita a quatro mãos distanciadas no tempo, no modo e no espaço. Seu domínio das técnicas tradicionais permitiu-lhe traduzir As Flores do Mal, de Baudelaire, entre outras obras. Mas, sem impor padrões determinantes, soube traduzir com muita habilidade a ensaística e a poesia de T. S. Eliot, incluindo a obra máxima que é The Waste Land. Para fechar a questão versatilidade, também verteu para o português brasileiro a delirante poesia de Dylan Thomas.
Finalmente temos o crítico. Junqueira foi dos cada vez mais raros capazes de imprimir peso de ensaio à resenha jornalística que, ao lado dos longos estudos escritos por ele, são material de interesse para quem se preocupa com superfluidades como literatura e poesia. Não desdenhava Bilac nem ignorava Ana Cristina César. Essa capacidade de ver, sentir e dizer, sempre com visão abrangente, é uma das características que ele deixa entre as suas lições de generosidade, ousadia intelectual e rigor. Diga-se ainda que o diálogo entre essas três entidades - o poeta, o crítico e o tradutor - contribuem para imprimir em seu trabalho um timbre constante do contemporâneo.
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