24 de dezembro de 2014 | 03h30
O ilustrador gaúcho Eloar Guazzelli tinha 12 anos quando descobriu “a imensa crueldade do mundo” lendo Kaputt, de Curzio Malaparte, pseudônimo do escritor e diplomata italiano Kurt Erich Suckert (1898-1957). O livro estava na estante do pai, que tinha o mesmo nome e se notabilizou como um dos mais ativos advogados de presos políticos durante a ditadura militar. Mais que um tributo a ele, que fez o filho descobrir Malaparte, as várias leituras de Kaputt em diferentes épocas da vida de Guazzelli, hoje com 52 anos, o levaram a ilustrar os horrores descritos nesse capolavoro de Malaparte sobre a guerra.
Uma história em particular ficou gravada na memória do ilustrador, a do garoto russo que dispara contra os nazistas. Condenado ao fuzilamento, ele escapa respondendo a uma pergunta de um militar alemão que tem um olho de vidro. O oficial promete soltá-lo se ele conseguir distinguir o falso do verdadeiro olho. O garoto responde de imediato: “O olho esquerdo”. Atônito, o alemão pergunta: “Como você conseguiu percebê-lo?” A resposta: “Porque, dos dois, é o único que tem algo humano”.
Malaparte demorou mais que o garoto para perceber a diferença entre olhos humanos e desumanos. Antes de escrever Kaputt, publicado após o fim da Segunda Guerra, ele, um oficial, marchou com Mussolini em 1922. Depois, abjurou seu passado fascista, aderiu ao comunismo e, no fim da vida, converteu-se ao catolicismo. Enviado ao front oriental durante a guerra, escreveu Kaputt em segredo, relatando os crimes praticados pelos nazistas. Entre cenas horripilantes ilustradas com vigor por Guazzelli, a mais bestial mostra corpos de judeus sufocados em vagões de um trem na devastada Romênia, caindo pesadamente sobre os vivos.
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