HQ de Alison Bechdel acompanha as mudanças de um país
Em ‘O Essencial de Perigosas Sapatas’, artista entrelaça a trajetória de amigas lésbicas com fatos marcantes da sociedade
Entrevista com
Alison Bechdel
Entrevista com
Alison Bechdel
24 de julho de 2021 | 05h00
Com o lançamento da graphic novel Fun House, em 2006, a quadrinista americana Alison Bechdel ganhou importantes prêmios e notoriedade internacional. Trata-se de uma forma incisiva de analisar sua relação com o pai - um público mais abrangente descobriu a sofisticada linguagem usada por ela nos diálogos e situações, sempre com forte base literária.
O detalhe, no entanto, já era conhecido pelos leitores de The Essential Dykes to Watch Out For, série surgida em 1983 na qual Alison acompanha a trajetória de um grupo de amigas lésbicas em uma cidade média americana, que pode ser Minneapolis. Homossexual, Alison retratou de forma delicada, mas incisiva, sua própria rotina a partir dos altos e baixos vividos por Mo, Lois, Ginger, Sparrow e suas amigas.
Uma seleção desse material é lançada agora pela editora Todavia com o título O Essencial de Perigosas Sapatas, como são conhecidas as tiras aqui. Uma seleção feita pela própria autora.
Os quadrinhos foram publicados em diversos jornais americanos até 2008, um largo período em que o traço de Alison foi inspirado pelos fatos sociais e políticos, desde a desesperada luta contra o vírus HIV até os governos de Bush pai e filho, que enfrentaram Guerra do Iraque e atentado contra as Torres Gêmeas.
As tiras, no entendimento de Alison, eram “metade coluna de opinião e metade romance vitoriano”. Logo, seu desenho alcançou sucesso e não apenas entre homossexuais. Sobre o trabalho, Alison respondeu por e-mail às seguintes questões.
Sim, é muito difícil transmitir aos jovens como era há 30 ou 40 anos. Na verdade, está ficando cada vez mais difícil para mim lembrar! Pessoas da minha idade muitas vezes ficam nostálgicas sobre como a comunidade era unida na época, como era bom fazer parte daquele grupo claramente definido. Mas éramos um grupo muito unido por necessidade - o mundo exterior estava direcionando muito ódio para nós. Tivemos de criar nosso próprio para-choque a partir disso.
Sinto que perdi a era mais radical do movimento. Isso começou na década de 1970, mas estava começando a mudar na época em que me assumi, em 1980. A luta gradualmente passou a ser mais sobre a conquista de direitos específicos para pessoas LGBTQ do que sobre a derrubada de todo o sistema. Ultimamente, porém, à medida que alguns desses direitos começam a se deteriorar, sinto que as pessoas estão se tornando um pouco mais radicais novamente.
Mo era para ser um avatar de mim mesma. Ela é certamente muito neurótica, e estou zombando dela. Mas, ao mesmo tempo, eu a levei muito a sério. Uma vez, eu me relacionei com alguém que era fã do meu trabalho. Um dia, eu estava reclamando como Mo sobre algo que estava acontecendo no jornal, e minha namorada ficou um pouco chateada. Eu disse: “O que há de errado? Você sabia como eu era nos meus quadrinhos!” E ela disse: “Achei que Mo fosse uma piada”.
Não sei como alguém criou quadrinhos ou qualquer tipo de humor durante aqueles anos sombrios e horríveis. Para as pessoas que conseguiram, tiro meu chapéu.
Sim, totalmente. Quando comecei, estava desenhando a tira só para ver imagens de pessoas que se pareciam comigo e com meus amigos. Eu teria continuado fazendo isso mesmo se outros não estivessem também lendo.
Em Perigosas Sapatas, fiz um cruzamento para adicionar tom e sombra à arte de linha. É uma técnica demorada e eu sabia que não teria tempo para fazer isso no Fun Home, um livro de 200 páginas. Então decidi fazer o sombreamento com um pincel e um jato de tinta. Eu estava trabalhando com tinta cinza - no processo de impressão, eles pintaram com uma cor verde. Gostei da fluidez e da liberdade de trabalhar com um pincel e sempre adorei a forma como as linhas pretas combinam com a tinta.
Ler é uma parte extremamente importante da minha vida e também é uma grande parte do meu processo de escrita. Eu me permito ler e pesquisar muito, seguindo minha inclinação, quando estou trabalhando em um livro. É uma espécie de exploração. E gosto de trabalhar com as coisas que encontro no que estou escrevendo.
Costumo usar textos de livros como imagens em meus quadrinhos, tentando atrair o leitor mais intimamente para a experiência da leitura. Você sabe que, quando está lendo algo emocionante, você quer compartilhar com as pessoas. Acho que é por isso que faço dessa forma - quero que os outros fiquem tão animados com essa passagem da literatura quanto eu.
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.