'História é o alimento da infância', diz o escritor Ilan Brenman

Autor de ‘Até as Princesas Soltam Pum’, Ilan Brenman fala sobre literatura para crianças, o politicamente correto e a mudança de editora - agora ele é autor exclusivo da Moderna

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Por Maria Fernanda Rodrigues
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Quer irritar Ilan Brenman? É só perguntar qual é a próxima historinha dele. “Literatura infantil é coisa muito séria. Eu estudo tanto, circulo tanto, dou meu coração e minha cabeça para fazer chegar um livro maravilhoso à mão da criança. Não me perguntem da minha próxima historinha”, diz o escritor em entrevista ao Estado.

Ilan é autor de cerca de 80 títulos, já vendeu 3 milhões de exemplares e é publicado em países tão diferentes quanto a Espanha e a Coreia do Sul. Quem tem (ou teve nos últimos 20 anos) filho pequeno em casa certamente já leu um livro dele – Até as Princesas Soltam Pum é o best-seller, com cerca de 400 mil exemplares vendidos e traduzido para 12 idiomas. 

Ilan Brenman é autor de cerca de 80 livros para crianças Foto: Ana Shiokawa

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A literatura infantil é coisa muito séria, ele continua, porque diz respeito à vida da criança e ao seu imaginário. “É o que podemos dar de memória para a vida delas. Podemos realmente mudar a vida dessa garotada com histórias, e isso não é uma balela romântica”, afirma. Mudar para o bem e para o mal – e o politicamente correto é outro tema que irrita o escritor e ele explicará mais adiante.

Aos 46 anos, Ilan Brenman vive possivelmente o melhor momento de sua carreira. É o mais jovem autor a ser convidado pela Moderna, uma das principais editoras do País (sobretudo pela presença em escolas), para ser autor exclusivo da casa – e estará no catálogo da editora ao lado de Ruth Rocha, Eva Furnari, Pedro Bandeira e Walcyr Carrasco.

A Biblioteca Ilan Brenman está sendo inaugurada com 25 títulos, entre reedições revistas pelo autor e pelo ilustrador (quando não foi encomendada uma nova ilustração), e lançamentos. São 20 desta nova leva e 5 que já estavam no catálogo da Moderna. Tudo em capa dura e agora dividido em coleções. No ano que vem, devem sair outros 20. E vai ser assim até o contrato mais recente do autor com alguma editora – ele tinha 15 – expirar.

Os três novos livros de Brenman que estão chegando às livrarias são Refugiados e Famílias, com ilustrações de Guilherme Karsten, dentro da coleção Imagens Que Contam Histórias, e O Cavalo de Troia – A Origem, ilustrado por Raul Guridi e inserido na série Sabedoria Universal. Ilan nunca ilustra seus livros, o que lhe causa alguma frustração. Mas ele diz que quando pensa numa história, imagina o projeto do livro do início ao fim.

Ele considera que este movimento de concentrar sua obra numa única editora vai lhe dar mais tranquilidade para deixar a burocracia para lá e fazer o que realmente importa: escrever, dar palestra, conversar com leitores, pais e professores e seguir contando histórias. Afinal, Ilan Brenman é, antes de tudo, um contador de histórias.

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Filho de pais argentinos, ele nasceu em Israel em 1973 e só chegou ao Brasil em 1979. Sempre viu os pais lendo, e sempre gostou de ler. Era para ter sido psicólogo, mas um estágio na área de educação no clube A Hebraica mostrou um novo caminho. 

Foi logo no primeiro dia que tudo aconteceu. Ele tinha 18 anos, foi deixado sozinho pela responsável por alguns instantes e as crianças logo pediram uma história. Ele até tentou convencê-las de que não sabia contar histórias, mas não teve jeito – e foi inventando uma que se tornaria, 8 anos depois, seu primeiro livro de ficção para crianças, O Pó do Crescimento, publicado em 2001 pela Martins Fontes. Nesse intervalo, ele fez, por encomenda, dois recontos bíblicos – e rodou e rodou por escolas e livrarias contando as histórias que inventava e que iam povoando caderninhos (para anos depois também virarem livros).

Ilan Brenman conversou com o Estado sobre sua trajetória, sobre a importância da leitura e sobre o politicamente correto, tema de Quem Tem Medo do Lobo Mau – O Impacto do Politicamente Correto na Formação das Crianças (Papirus) – um diálogo entre ele e Luiz Felipe Pondé.

Como foi sua relação com as histórias quando era pequeno?

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Sempre fui uma criança muito imaginativa e conseguia brincar sozinho, que é uma coisa interessante. Os pais têm medo das crianças brincando sozinha e acham que elas sempre têm que estar com pessoas. Brincar sozinho é um grande estímulo para a criatividade. Em casa, não houve uma contação de história, mas houve um contágio. Eu pensava: ‘Por que meus pais estão com os livros e não estão comigo? O que tem lá deve ser muito bom’. Formamos leitores pelo modelo, e isso vale. Isso vale para tudo.

De que forma a relação com os leitores te alimenta e traz novas ideias de histórias?

Não penso muito nisso para não enlouquecer, mas a marca que um escritor deixa numa criança é muito forte. História é o alimento da infância. História é o alimento da alma humana. Tudo começa na primeira infância. Hoje sabemos também que as histórias são a forma mais eficaz de mexer com a memória, de grudar experiências, conceitos e tudo o mais. As histórias são formativas. 

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Algum retorno inusitado da leitura feita pelas crianças?

Crianças pequenas (e nós, como adultos, vamos tirando isso delas) têm óculos próprios, que eu chamo de óculos da infância, que não são os mesmos óculos do mundo adulto. Quando você pega uma história, que acha que está abafando, que acha que você, como pai, mãe, professor, entendeu aquilo, e mostra para uma criança ela faz outra leitura. 

Os óculos dos adultos estão prejudicando a experiência literária das crianças?

Completamente. Estão atrapalhando e é mais forte que isso. As ideias e os pensamentos têm consequências, e no coletivo isso pode ser um desastre. E o politicamente correto também traz consequências reais. Ele olha a criança de uma forma não complexa e subestima sua inteligência. Eu nunca vi crianças ficando preconceituosas, intolerantes e violentas por causa de histórias. Pelo contrário. Tiramos as histórias, mudamos, limpamos – chamo isso de eugenia literária. Melhorou? Não, só piorou. Mais violência, mais indisciplina na sala de aula, mais ansiedade, mais remédio – remédios ligados ao afeto. É uma coisa óbvia: se tiramos as ferramentas principais dessas crianças para elas desenvolverem seu mundo interno, como combatemos o medo? Falando sobre o medo. É óbvio. Quando a história fala sobre medo, que bom. Você está lá do lado do seu filho pequenininho, o abraça e enfrentam isso juntos. Mas se você decidir não falar sobre medo para não colocar isso dentro dele, quando chegar o medo real ele fica desesperado porque não sabe lidar com ele. 

Percebe alguma diferença nas crianças ao longo dos anos?

No mundo interno, a criança não muda – e ela é a mesma em qualquer lugar do mundo. Mas estou reparando reações diferentes, sim, e vejo que isso se desdobra na juventude. Essa violência absurda entre casais; o namorado que leva um não e mata namorada. Alcoolismo, drogas, crianças com medicamento. Isso vem de você não conseguir ser frustrado. O cara não aguenta mais frustração, ele não foi preparado para a frustração já que não pode mais falar sobre esses assuntos. ‘Olha, criança, o mundo é belo, não existe lobo mau, não existe preconceito.’ A realidade se apresenta, o cara desaba e vai buscar o prazer incessante para continuar sem as frustrações. A pergunta é como sair disso.

Como?

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Com informação. Os pais gostam de informação. Eles estão reagindo ao espírito do tempo, processando escolas, pedindo censura de livro, na minha opinião, por falta de informação. Nosso papel, de escritores, pensadores, é informá-los.

Mas está difícil dialogar.

Tem que ir pela insistência, uma hora a coisa se abre. Dá para voltar. O cérebro da criança é muito plástico, principalmente o das menores. Com as maiores é um pouco mais trabalhoso. Mas sou esperançoso. Acho que estamos vivendo num círculo. Uma hora volta. 

Ilan Brenman na TV Estadão

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