
11 de julho de 2019 | 19h52
ENVIADA ESPECIAL / PARATY - Para o professor de literatura brasileira, crítico literário e compositor José Miguel Wisnik, Carlos Drummond de Andrade foi um dos maiores hitmakers da poesia brasileira, com seus versos que são repetidos e repetidos para além do poema. Autor de Maquinação do Mundo, sobre a relação do poeta mineiro com a mineração, mais especificamente com a Vale do Rio Doce, Wisnik participou da Festa Literária Internacional de Paraty na tarde desta quinta-feira, 11. A mediação foi de Rita Palmeira.
Wisnik visitou Itabira, cidade natal de Drummond, onde ele passou a infância e a adolescência, em 2014. Seu livro saiu três anos depois do rompimento da barragem da Vale do Rio Doce em Mariana, em 2015, e alguns poucos meses antes da de Brumadinho, no ano passado. Um perigo percebido só agora pelo brasileiro, mas que acompanhou o poeta. “Drummond cresceu de frente para o crime. Ele foi testemunha profunda do acontecimento central da mineração do Brasil”, diz Wisnik. Da janela de sua casa, ele via Pico do Cauê, que desapareceu após anos de exploração pela mineradora.
“No poema Confidência do Itabirano, ele escreve '90% de ferro nas calçadas e 80% de ferro nas almas'. Sabemos que o ferro é a matriz daquela sensibilidade introvertida, daquela dureza do que se vive ali”, lembra.
Uma ironia. A Vale chegou a usar um verso de Drummond, um dos mais conhecidos, e muito criticado na época do lançamento, em um anúncio que o escritor, como um bom funcionário público, como Wisnik lembrou, guardou num fichário ao lado de tudo o que foi falado sobre No Meio do Caminho. No anúncio projetado no telão da Flip se lia: “Há uma pedra no caminho do desenvolvimento brasileiro”. Era um elogio da quantidade de toneladas exploradas e importadas.
Ao final do livro, assunto também do final da mesa, Wisnik evoca o vídeo do garoto Vitor, feito durante manifestações em Salvador em 2016, em que ele declama E Agora, José?. “Um garoto em condição de vulnereablilidade dizendo esse poema de maneira tão densa e que faz essa pergunta que é fundamental. E agora, José? é a pergunta que o Brasil vive”, disse Wisnik, que comentou ainda sobre os ataques que a cultura e a educação vêm sofrendo.
Wisnik encerrou lendo uma letra de canção que Arnaldo Antunes fez para João Gilberto, morto no sábado, 6, em parceria com Cezar Mendes, e foi aplaudido de pé.
São tantos e tão poucos têm noção
De como se inaugura uma nação
Não é bem com monumentos
Ou com bala de canhão
É quando uma brisa
Bate na respiração
E entra no juízo de um João
Que dedica todo empenho
E amor ao seu engenho
Para arejar
Os cantos da canção
E dar sentido à nossa sensação
Milhares de partículas no ar
Reviravoltam numa vibração
Para nos dar sua benção
Para nos tirar do chão
Como se a rotação
Da terra fosse então
Essa voz e esse violão
Quando uma só pessoa
O silêncio aperfeiçoa
Toda multidão
Escuta o coração
E se torna civilização.
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