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Ferreira Gullar: 'Se você me ama, me deixa ir em paz'

Escritor pediu à mulher, a também poeta Claudia Ahimsa, para não sofrer intervenções que prolongassem sua agonia

Por Clarissa Thomé
Atualização:

RIO - Quando os médicos do Hospital Copa D’Or, em lugar da alta prometida, diagnosticaram uma pneumonia, na última sexta-feira, 2 – vigésimo terceiro dia da sua internação -, o poeta e acadêmico Ferreira Gullar rechaçou a opção de ser entubado. Pediu à mulher, a também poeta Claudia Ahimsa, para não sofrer intervenções que prolongassem sua agonia.

“Se você me ama, não deixe fazerem nada comigo. Me deixe ir em paz. Eu quero ir em paz”, pediu àquela que era sua companheira havia 22 anos. O poeta morreu dois dias depois, na manhã deste domingo, 4. “Foi uma decisão muito dura para nós, para a família e para mim. Mas era o que tinha de ser feito”, disse Claudia, muito emocionada, ao Estado.

O escritor, poeta e teatrólogo Ferreira Gullar Foto: Fabio Motta/ Estadão

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Gullar sentiu intensa falta de ar na madrugada de 9 de novembro. Foi levado para o Copa D’Or, onde os médicos diagnosticaram pneumotórax, a entrada de ar na pleura, a fina membrana que recobre os pulmões. O problema era consequência do seu tempo de fumante, ainda que estivesse livre do cigarro havia mais de 30 anos. 

O ar na pleura comprime o pulmão e o faz murchar. Nos 25 dias de internação, os médicos trataram a lesão na pleura. Instalaram um dreno, para a retirada das bolhas de ar. E esperavam o pulmão expandir para lhe darem alta.

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“Estava tudo dando certo. A pleura estava fechando, o pulmão estava expandindo. Eles tirariam o dreno nos próximos dias e ele já receberia alta”, conta Claudia.

A figura esguia e a aparência frágil de Gullar contrastavam com sua boa saúde e disposição. O ponto fraco do poeta sempre foram seus pulmões. Teve tuberculose aos 21 anos. Mais tarde, enfrentou um enfisema pulmonar. 

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“No domingo, três dias antes da internação, tínhamos ido ao cinema, passeado. Não tinha nada no coração, indisposição para nada. Essas doenças são silenciosas”, afirmou.

O casal imaginava que a internação seria curta. Preferiu não alarmar os amigos. Com o passar dos dias, os acadêmicos sentiram falta de Gullar nos encontros semanais da Academia Brasileira de Letras, aos quais ia com assiduidade. Claudia começou a contar a um e outro sobre a internação. No início, Gullar escreveu de próprio punho a crônica semanal publicada na Folha de S. Paulo. Depois, com o agravamento do quadro, passou a ditar o texto para a mulher.

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“Ele era poesia pura. A poesia está aí. A obra vai ficar”, afirmou ela.

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Os dias internado e a rotina hospitalar o exasperaram. “No hospital, foi muito duro. Ele sempre controlou tudo na vida dele. No hospital era aquele entra e sai de enfermeira. Ele estava bravo. Tinha dia que queria levantar”, conta o amigo Augusto Sérgio Bastos, poeta e co-curador de exposição sobre a vida e obra de Gullar, realizada na Galeria BNDES entre maio e julho deste ano.

Bastos é testemunha da boa saúde do amigo. “Ele era ágil, andava rápido na rua. Há três meses, deu depoimento de três horas e meia para o Museu da Imagem e do Som. Éramos quatro entrevistadores: eu, Antonio Cicero, Antonio Carlos Sechhin e Marcos Pache. Eu estava cansado de perguntar e ele respondendo a tudo. Nunca deixou pergunta sem resposta. Tinha uma facilidade para se expressar, sem complicar. Falava sobre os assuntos mais complexos aos assuntos mais simples”.

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Desde 2009, às vésperas de completar 80 anos, Gullar não escrevia poesia. “Escrever poesia era um processo que vinha do espanto. Ele dizia que já não se espantava com mais nada. As coisas eram simples assim. Seus livros eram espaçados, levava 12 anos entre um e outro. O último foi publicado em 2010. Ele poderia voltar a escrever. Mas não voltou”, afirma Bastos. Continuou se expressando por meio de suas crônicas e ensaios. E das colagens – um hobby que tinha havia anos e ao qual passou a se dedicar cada vez mais.

Gullar deixa a mulher, os filhos, Luciana e Paulo (o primogênito Marcos morreu em 1992, de cirrose hepática), oito netos e nove bisnetos. O poeta começou a ser velado na Biblioteca Nacional,  a partir das 17h deste domingo. Na manhã de segunda-feira, 5, um cortejo seguirá até a Academia Brasileira de Letras, onde ocupava a Cadeira 37, cujo patrono é o poeta e inconfidente Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810). Gullar será enterrado às 16h, no Mausoléu da ABL, no Cemitério de São João Baptista, em Botafogo, na zona sul.

 

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