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Desconhecidas ou esquecidas, obras de grandes autores na mira de novas editoras

Enquanto grandes editoras se digladiam pelo próximo best-seller, Carambaia, Mundaréu, Poetisa e Descaminhos querem os clássicos

Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Por Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

Dia desses, Graziella Beting fez uma coisa inusitada. Saiu da sede da sua editora, na Chácara Santo Antônio, e foi até Pinheiros, na casa de uma cliente, para deixar o livro que ela tanto queria comprar – mas que não conseguia por não ter cartão de crédito nem e-mail para receber o boleto. Ela pagou em cheque e ainda deu à editora um livro de sua autoria. Graziella aproveitou para deixar outros títulos da Carambaia para que a senhora desse uma olhada. Sem compromisso. 

Isso não acontece todos os dias e pode ser que nunca mais volte a acontecer, mas o episódio já entrou para a história da editora, que ainda conta, numa pequena lousa presa à parede do também diminuto conjunto comercial que ocupa, a quantidade de livros de vende – uma média de 90 por mês. Desde março, a Carambaia publicou quatro títulos. Os três primeiros, Soldados Rasos, de Frederic Manning, Juncos ao Vento, de Grazia Deledda, e Homens em Guerra, de Andreas Latzko, saíram juntos, no lançamento da editora, e Salões de Paris, de Marcel Proust, foi apresentado em julho.

Marcel Proust. 'Salões de Paris', livro reunindo as crônicas escritas pelo autor de 'Em Busca do Tempo Perdido', é o mais vendido da Carambaia até agora: cerca de 160 exemplares Foto: Reprodução

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O que eles têm em comum, e isso explica a linha editorial da nova casa, é que são exemplares da boa literatura, estavam fora de catálogo (ou nunca haviam sido traduzidos) e, melhor, seus autores estão em domínio público. Afinal, é comum ouvir que o melhor escritor é aquele que já morreu e não deixou nenhum herdeiro. “E de preferência morto há mais de 75 anos”, brinca Fabiano Curi, sócio de Graziella. 

Durante seus tempos de professor universitário, ele se deparou com algumas lacunas editoriais. “Comecei a perceber que tinha muito furo de autor bom e conhecido, principalmente no que diz respeito a suas obras secundárias”, conta. Por exemplo, há várias versões de Moby Dick, de Herman Melville (1819-1891), nas livrarias, mas Jaqueta Branca, publicado um ano antes do clássico, não. Fabiano viu, aí, uma oportunidade de mercado. Este livro menos conhecido de Melville, que descreve cenas de sua passagem pelo Rio, em 1844, é um dos projetos da longa lista dos editores.

A ideia de abrir a editora surgiu quando os dois estavam terminando o doutorado. A partir dessa sensação de Fabiano de que autores e livros foram negligenciados ou estavam esquecidos, eles listaram 500 nomes. Estudaram a viabilidade da publicação (língua e existência de tradutores capacitados, adequação e atualidade da obra). Contataram tradutores e pediram que tirassem aquele projeto do coração da gaveta. Foi assim que a dupla conheceu o italiano Federigo Tozzi (1883-1920), apresentado por Maurício Santana Dias, que traduziu Memórias de um Empregado (1920). O lançamento deve ser em setembro.

Outra estratégia foi apresentar a tradutores listas de livros que eles gostariam de lançar para ver se eles abraçavam a ideia. E, numa dessas conversas, descobriram que outra casa editorial, também recém-criada com os mesmos propósitos, tinha chegado antes e estava prestes a lançar um livro da lista da Carambaia. O título em questão, Marcha de Radetzky, de Joseph Roth (1894-1939), foi um dos primeiros da Mundaréu, da ex-advogada Silvia Naschenveng, que conta com a consultoria do professor de filosofia Tiago Tranjan – ele também gostaria de publicar obras esquecidas de sua área. 

Editar autores em domínio público tem esse risco, afinal, qualquer um pode encomendar uma tradução, diagramar o livro e mandar para a gráfica. “É um risco, sim, mas é muito rico a pessoa poder escolher a edição que quer comprar, o que não torna a coisa assim tão grave”, diz Graziella. No caso de Roth, a Carambaia voltou atrás. Mas, mesmo tendo a informação de que Jaqueta Branca pode chegar a qualquer momento às livrarias por outra editora, ela vai arriscar. E aposta em seu projeto gráfico como diferencial.

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Todas as edições são caprichadas e elaboradas, e a tiragem é de apenas mil exemplares – todos numerados. “A ideia é que elas sejam únicas. Acabou, acabou”, diz Fabiano. E, assim, esgotada a edição, o problema anterior, que motivou a criação da editora, voltaria. “Ainda não pensamos, mas podemos considerar novos formatos, pocket ou digital”, diz o editor. E para ter mais lucro, quem sabe, comercializar canecas, sacolas, pôsteres com temáticas literárias. Por ora, querem vender esses livros, produzir outros, sentir o mercado, e ver o que vai dar. Entre seus próximos lançamentos estão O Dia do Gafanhoto e Outros Textos, de Nathanael West, já em pré-venda com desconto; Coleção João do Rio: Crônica, Romance, Teatro, com três volumes, prevista para outubro; e Imodéstia, Capricho, Inclinações, de Ronald Firbank, para novembro.

Outro diferencial da editora é que ela só vende pelo site (talvez por telefone em breve) e desde os últimos dias na Livraria Blooks, que ofereceu uma condição mais interessante. “Se dermos 50% para as livrarias, que é o que elas pedem, não ganhamos nada e às vezes até perdemos”, explica Graziella.

Já a Mundaréu, que publicou, além de Roth, Emilio Lussu (Um Ano Sobre o Altiplano), Siegfried Sasson (Memórias de Um Oficial de Infantaria) e Heinrich Mann (O Súdito), em tiragens de 2 mil cópias, à venda nas principais livrarias, prevê, para 2016, a criação de uma coleção para autores latinos. Nela, estarão, entre outros, O Senhor Presidente (1946), do Nobel guatemalteco Miguel Ángel Asturias, e uma coletânea de contos de outro Miguel Ángel, o de la Torre, cubano.

Sobre bater cabeça com editoras similares, Silvia diz: “A experiência humana e literária é muito vasta e tem espaço para todo mundo”. Ainda este ano saem dois títulos – O Fogo, Goncourt de 1916, de Henri Barbusse, é um deles. A Mundaréu deve, em algum momento, editar contemporâneos. 

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Outras duas editoras também estão se destacando no resgate de obras literárias. A Poetisa, de Cynthia Costa e Juliana Bernardino e ligada a estudiosos da tradução, tem apenas dois títulos em catálogo: A Bela e a Fera, a primeira edição integral da obra (de 1757) aqui e O Coelho de Veludo, clássico infantil britânico (de 1922) também inédito no País. Os planos envolvem mais três este ano: Cinzarela (para os da geração Disney, Cinderela), texto integral do Perrault, Sombras de Carcosa, com contos de terror de, entre outros, Edgar Allan Poe e Henry James, e Alice Através do Espelho.

A Descaminhos, criada em 2013 por André Aubert, termina em dezembro o bravo trabalho de reeditar, em e-book, a volumosa ficção de José Geraldo Vieira (1897-1977), que não está em domínio público, mas estava fora de catálogo. O editor não abre os próximos projetos, afinal, um concorrente com mais fôlego pode se adiantar.

O lucro, eles esperam, virá um dia. Mas nenhum deles se dispõe, hoje, a editar títulos comerciais para bancar um projeto editorial, ou melhor, um projeto de vida. Para se manterem na rota original, dizem, poderiam ser para sempre pequenos.

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