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Escândalo sexual ameaça Prêmio Nobel de Literatura

Sara Danius era a primeira mulher a liderar diretoria da Academia Sueca; especialistas falam em 'golpe'

Por Christina Anderson
Atualização:

ESTOCOLMO — A primeira mulher a comandar a equipe que agracia o Prêmio Nobel de Literatura foi forçada a deixar o cargo na quinta-feira, 12, uma perda chocante num escândalo de abuso e assédio sexual que ameaça uma das honrarias culturais mais respeitadas do mundo.

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** Saiba mais sobre a polêmica: Escândalo de vazamentos e abuso sexual abalam a Academia sueca, responsável pelo Nobel

Sara Danius, especialista em literatura e a primeira mulher a comandar a instituição, era secretária permanente da Academia Sueca desde 2015. Criada em 1786, a Academia concede o Prêmio Nobel de Literatura desde 1901. Danius foi afastada do seu cargo — a face pública do prêmio — em meio a uma briga que dividiu de maneira amarga a diretoria.

“Já afetou o Prêmio Nobel severamente, e isso é um enorme problema”, disse uma Danius emocionada na noite de quinta-feira, acompanhada por uma aliada, a escritora Sara Stridsberg, que também ameaçou se demitir.

Jornalistas e convidados aguardam o anúncio do Prêmio Nobel de Literatura em outubro de 2016, na Academia Sueca, em Estocolmo Foto: AFP PHOTO / JONATHAN NACKSTRAND

O escândalo alcançou os níveis mais altos do governo. “É dever da academia recuperar a fé e o respeito”, disse o primeiro ministro Stefan Lofven à imprensa. “É uma questão muito importante para a Suécia, portanto é fundamental que essa instituição funcione.”

A academia está envolvida no caso desde novembro, quando o jornal Dagens Nyheter divulgou que pelo menos 18 mulheres acusaram Jean-Claude Arnault, uma figura cultural de grande porte, de abuso sexual e assédio.

Arnault é casado com a poeta Katarina Frostenson, membro da academia, e juntos eles comandam um clube cultural privado, chamado Forum, que recebeu dinheiro da academia.

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O jornal noticiou que Arnault foi acusado de maltratar mulheres no clube e em propriedades da academia em Estocolmo e Paris por mais de 20 anos. Também afirmou que Arnault vazou informações sobre o vencedor do prêmio sete vezes desde 1996.

A polícia sueca está investigando as acusações de abusos; Arnault nega qualquer falta. Sua esposa concordou na quinta-feira, 12, em se afastar das atividades da academia.

Depois das alegações, Danius, de 56 anos, cortou os laços da academia com Arnault, e contratou um escritório de advocacia para conduzir uma investigação das ligações da instituição com o clube. O escritório encontrou o que chamou de irregularidades financeiras nessa relação, e recomendou que a academia registrasse o fato na polícia, o que não aconteceu.

As divisões na solene equipe, geralmente mais conhecida pelo prestígio literário do que por amargor escandaloso, irromperam ao público nesta semana quando três membros se demitiram em protesto, incluindo Peter Englund, o predecessor de Danius na secretaria permanente.

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No outro lado estão dois outros ex secretários permanentes, Sture Allen e Horace Engdahl, que divulgaram comunicados lacerantes nos últimos dias, chamando a reação às alegações de exageradas e denunciando Danius como uma líder fraca.

Questionado sobre como os membros iriam restaurar a reputação da academia, um membro, o escritor Anders Olsson, disse: “Nós não sabemos. Mas temos que conversar mais uns com os outros”.

Para complicar as coisas, não há cenário para os 18 membros da academia oficialmente renunciarem. Membros são eleitos para mandatos vitalícios, e se eles escolhem parar de participar das atividades, a cadeira é deixada vaga até sua morte.

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Mesmo antes do escândalo, dois assentos eram ocupados por membros inativos. Com as cinco partidas recentes, incluindo a de Danius, a Academia se reduz a 11 membros ativos — um a menos do que os 12 necessários para eleger novos membros na eventualidade de uma vaga. O Rei Carl XVI Gustaf destacou nessa semana que ele iria resolver o problema usando sua autoridade para reformar as regras da academia e permitir que membros renunciem e sejam substituídos.

Numa entrevista, Bjorn Wiman, editor de cultura do Dagens Nyheter, disse sobre o escândalo: “Essa é uma tragédia completa para a vida cultural da Suécia”. Ele acrescentou que “a confiança do público na academia está abaixo do fundo do poço”.

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“Sempre houve o consenso de que esse era um grupo competente e que eles tinham capacidade de julgar, e que o julgamento literário era sólido”, acrescenstou Wiman. “Com esse escândalo, você não pode nunca dizer que esse grupo de pessoas tem qualquer tipo de julgamento adequado.”

Ebba Witt-Brattstrom, professora de literatura nórdica na Universidade de Helsinque, disse numa entrevista que a saída de Danius representa uma reação masculina.

“O que eles fizeram foi orquestrar uma revolução palaciana, um golpe para se livrar dela, porque ela é cabeça dura”, ela disse. “Uma mulher cabeça dura não é ao que eles estão acostumados na Suécia.”

Svetlana Alexievich, que venceu o prêmio em 2015, disse ao jornal Svenska Dagbladet que “aqueles que quebraram as regras devem ser investigados”. Ela disse que aprendeu com Dostoievski que “os seres humanos são criaturas pouco confiáveis, então as leis e regras são necessárias para garantir que isso não se repita.” / Tradução Guilherme Sobota

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