Cubano Virgilio Piñera terá obra reeditada no Brasil

A vida como sucessão de golpes terríveis é tema central do livro

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Por Dirce Waltrick do Amarante
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A lista de escritores e artistas cubanos reconhecidos internacionalmente por seus trabalhos é grande e vai desde escritores como José Lezama Lima, Guillermo Cabrera Infante, Severo Sarduy, etc., até performers ousadas como Ana Mendieta e Tania Bruguera. Com a retomada das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, imagina-se que outros artistas de grande importância, mas que foram de certa forma obscurecidos pelo regime castrista, virão à tona.

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Esse, parece-me, será o caso do romancista, dramaturgo e poeta Virgilio Piñera (1912 -1979), um dos escritores mais originais de Cuba, segundo a crítica, que teria se antecipado, no teatro, ao absurdo de Eugène Ionesco e de Samuel Beckett e, na visão de mundo, ao existencialismo de Jean-Paul Sartre.

A propósito de sua possível ligação com essas correntes europeias, Piñera afirmava não se considerar de todo existencialista nem absurdista: “Digo isso porque escrevi Electra (Electra Garrigó) antes que As Moscas, de Sartre, aparecesse em livro, e escrevi Alarme Falso antes que Ionesco publicasse e encenasse a sua A Cantora Careca”. Segundo o escritor cubano, todas essas tendências literárias estavam no ar. “Mesmo que eu vivesse em uma ilha desligada do continente cultural, ainda assim era filho de minha época, a quem os problemas da tal época não podiam passar despercebidos”. Além disso, para ele, Cuba, antes da revolução, era “existencialista por falta e absurda por excesso”. E lembra de uma anedota: “Ionesco estava se aproximando das costas cubanas e, só de vê-las, disse: Aqui, não tenho nada que fazer, esta gente é mais absurda que o meu teatro ”.

Nesse sentindo, Piñera podia até se considerar um existencialista e um absurdista, “mas à moda cubana”, como frisava. Virgilio Piñera foi um apoiador do processo revolucionário cubano, tendo, inclusive, trabalhado no jornal Revolución. Em 1961, contudo, alguns acontecimentos abalaram sua fé no novo governo do país, sob o comando de Fidel Castro. Nesse ano, o escritor foi detido por motivos “político-moralizantes” e nunca soube exatamente o porquê dessa detenção nem quem a decretou. Um outro fato político dessa época, segundo o estudioso Luis F. González-Cruz, “não só determinou seu futuro, como também o de todos os escritores cubanos. Em suas conhecidas Palavras aos Intelectuais, Castro advertiu aos escritores e artistas: ‘Dentro da Revolução, tudo; contra a Revolução, nada’”. E com essas palavras alijava toda literatura que supostamente se voltasse contra as ideias da Revolução. Depois da fala de Castro e de um silêncio geral, conta-se que Piñera teria se levantado e dito: “Eu tenho medo. Tenho muito medo”.

A partir de 1967, o escritor teve muitas obras censuradas e nos anos seguintes não voltou mais a publicar. Morreu extremamente pobre em 1979.

Piñera dizia que para ele a literatura servia de escudo contra o medo, medo de “perder a vida, o emprego, o ente querido ou a sorte, se a tiver”. “Meu medo é meu próprio ser e nenhuma revolução, nenhum golpe de sorte adversa poderia derrubá-lo”.

O tema central de sua obra, bastante coerente, é o da vida encarada com uma sucessão de golpes terríveis, que levam o ser humano a uma existência de miséria e de dor. Convém lembrar que o humor negro está quase sempre presente em seus escritos e cria certo distanciamento próprio dos textos absurdos.

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Apesar de ter sido admirado e lido por grandes escritores como, por exemplo, o argentino Jorge Luis Borges, depois da revolução Piñera sofreu com o isolamento de Cuba e com a hostilização do regime castrista. O escritor passou os últimos anos no ostracismo, e com um medo a mais, o de estar sendo vigiado 24 horas por dia pelo governo.

O resgate póstumo de sua obra tem sido lento e trabalhoso. Há que se lembrar ainda que parte de seus escritos inéditos teve destino incerto. Logo após a sua morte, autoridades cubanas entraram no seu apartamento e especula-se que textos possam ter sido apreendidos e jamais publicados.

No Brasil, a Editora Iluminuras publicou, em 1989, um dos seus livros mais importantes, Contos Frios, e agora prepara uma reedição dessa obra.

*DIRCE WALTRICK DO AMARANTE É PROFESSORA DO CURSO DE ARTES CÊNICAS DA UFSC. AUTORA, ENTRE OUTROS, DE CENAS DO TEATRO MODERNO E CONTEMPORÂNEO (ILUMINURAS, 2015) 

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