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Contos de J. D. Salinger retratam os efeitos da guerra na vida dos indivíduos

‘Nove Histórias’ coloca delicadeza e humor na rotina americana do pós-guerra

Por Alessandro Hernandez
Atualização:

Os contos de Nove Histórias, do norte americano J. D. Salinger, foram escritos em 1953, dois anos após a criação de seu mais absoluto sucesso – O Apanhador no Campo de Centeio –, obra cuja narrativa é feita por um jovem de dezessete anos. Salinger em sua juventude queria ser ator, o que não foi possível, já que seu pai rapidamente encontrou para ele um emprego na indústria da carne.

J.D.SALINGER Foto: Hulton Archive Collection

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Não foi, porém, nesse ambiente onde ele desenvolveu suas atividades. O autor, também na sua juventude, foi convocado para servir o exército de seu país e esteve presente nas tropas que desembarcaram na Normandia no célebre Dia D, em junho de 1944. 

Tamanha fluidez de acontecimentos que permearam sua vida pode ser sentida na escrita desses nove contos publicados pela Editora Todavia, agora com tradução de Caetano W. Galindo. É surpreendente observar nesses contos o quanto eles transitam em paisagens e personagens que acabam por enganar o leitor. O autor, comumente, inicia os contos dando foco a um determinado aspecto e rapidamente passa a dar ênfase a outro, e até mesmo outras personagens aparecem para protagonizar a narrativa, abandonando as que, por um momento, acreditamos serem os personagens principais. 

Exemplo disso acontece no conto Lá no Bote, que se inicia com o diálogo de duas criadas, de maneira a gerar uma curiosidade no leitor a respeito de algo que preocupa uma delas e, de repente, o conto se move, como uma câmera, para um diálogo entre a dona da casa e seu filho. Isso não prejudica a cadência da leitura, pelo contrário, gera curiosidades. É a partir da conversa entre mãe e filho que descobrimos ao final a tal preocupação de uma das criadas. 

Não por acaso os títulos desses contos, muitas vezes, estão apontados em meio à construção literária, como um pequeno lampejo que simboliza a ideia central do conto. Logo no primeiro conto do livro – Um Dia Perfeito para Peixes-banana –, há quatro momentos. No primeiro, uma mulher conversa por telefone com a mãe num quarto de hotel a respeito do seu marido. Em seguida, a paisagem muda para a praia onde um homem, que rapidamente percebemos ser o marido em questão, estabelece um diálogo com uma criança – é aqui que eles conversam a respeito dos tais peixes-banana e suas características, para logo depois vermos esse homem em um elevador voltando para o seu quarto. Quando ele chega lá, o que acontece no último ambiente está relacionado às características dos tais peixes-banana citados na praia e que dá título a esse primeiro conto, em que o leitor tem o primeiro contato com a família Glass. 

É interessante observar o quanto Salinger dá voz e constrói as crianças em suas obras de maneira a valorizá-las em suas inteligências e capacidades de discernir aspectos do mundo. Os diálogos entre crianças e adultos muitas vezes não apontam uma diferença entre quem detém mais sabedoria e conhecimento. Isso é bastante notado no último conto do livro nas palavras de Teddy, um garoto de dez anos. 

A conversa que ele estabelece com um homem adulto de trinta anos é carregado de um pensamento filosófico, bem como a primeira paisagem do conto que traz Teddy dentro da cabine de um navio com os seus pais. Os dois estão tão presos em suas camas que, por um momento, a imagem remete ao casal Winnie e Willie do texto Dias Felizes, de Samuel Beckett. A inação das duas personagens em contraponto à autonomia de Teddy afirma o olhar libertário de Salinger para as crianças. 

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Afinal, não foi à toa que, em sua célebre obra de maior sucesso, dois anos antes, inaugurou-se a figura do narrador jovem moderno – um garoto de dezessete anos que virou símbolo da rebeldia juvenil da época.

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