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Coleção Fábula cruza prosa, poesia e filosofia para formar o adolescente

Com 12 títulos publicados, série ganha mais dois livros, 'Outras Naturezas, Outras Culturas', de Philippe Descola, e 'Que Emoção! Que Emoção?', de Georges Didi-Huberman

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Concebida pelo professor e tradutor Samuel Titan Jr., a coleção Fábula, da Editora 34, já abriga 13 títulos desde O Sermão sobre a Queda de Roma, de Jérôme Ferrari. Os mais recentes livros são conferências dirigidas ao público jovem, uma sobre o conceito de diversidade cultural – Outras Naturezas, Outras Culturas, do antropólogo francês Philippe Descola – e outra sobre sentimentos, Que Emoção! Que Emoção?, do filósofo e historiador de arte francês Georges Didi-Huberman. São dois volumes pequenos que, a despeito do tamanho, fazem a diferença numa biblioteca.

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A ideia da coleção, que surgiu em maio de 2013, conta seu idealizador, é a de reunir textos clássicos com novas traduções e contemporâneos pouco lidos por aqui. Entre os clássicos estão Cândido, ou O Otimismo, de Voltaire, com tradução do próprio Samuel Titan Jr., e Carmen, de Prosper Merimée. Detalhe: alguns volumes trazem ilustrações de grandes artistas – de Paul Klee (em Cândido) a Picasso (em Carmen) –, seguindo o projeto gráfico original de Raul Loureiro, hoje um dos mais disputados designers do mercado.

Os dois volumes recentemente lançados são, por coincidência, livros de formação, acompanhados por perguntas da plateia do teatro de Montreuil, nos arredores de Paris, onde as conferências foram realizadas. O modelo adotado foi o ciclo de programas de rádio que Walter Benjamin escreveu, entre 1929 e 1932, para uma emissora alemã, visando o público jovem (narrativas mais tarde reunidas no livro A Hora das Crianças, lançado em 2015 no Brasil). 

A diretora do teatro de Montreuil, inspirada em Benjamin, resolveu igualmente organizar todos os anos conferências com intelectuais de várias áreas, destinadas aos jovens (a partir de dez anos) e reunidas na coleção Les Petites Conférences, publicada pela editora Bayard na França. Só há uma regra que os conferencistas devem seguir: clareza, para criar um diálogo fácil e franco com os adolescentes. “São títulos que fogem do esquadro, evitando criar uma barreira simbólica para o leitor”, resume Titan.

A conferência mais antiga, de 2007, proferida por Philippe Descola, trata, por exemplo, de um tema complexo, as diferenças conceituais de natureza e cultura entre povos diversos, dos índios da Amazônia às tribos do Canadá, mas o antropólogo pratica a etnografia e explica aos jovens que hábitos normais na França não o são entre esses povos que estuda, em particular os índios conhecidos como jivaros, ou achuar, associados automaticamente ao encolhimento de cabeças.

Caiapós tomam sorvete: cultura indígena é praticamente ignorada pelos mais jovens Foto: Dida Sampaio/Estadão

Na conferência mais recente, de Didi-Huberman, proferida em 2013, o filósofo parte do estudo de Darwin sobre o choro como um ato primitivo (que diria respeito tanto ao homem como aos outros animais), para afirmar que discorda dele. Didi-Huberman está mais para os gregos, que criaram a palavra páthos, tão essencial entre os autores trágicos, de Ésquilo a Sófocles. Didi-Huberman, a exemplo de Aristóteles, associa páthos à voz passiva, observando que o fenômeno da emoção está ligado à paixão, à passividade, ou à impossibilidade da ação, citando como exemplo o episódio da guerra de Troia em que Laocoonte e seus filhos são impedidos de agir por serpentes enviadas por Atena – imagem esculpida em 40 a.C e exposta no Museu do Vaticano.

Estudantes observam réplica da escultura grega 'Laocoonte e seus Filhos' Foto: Valérias Gonçalvez

O livro de Didid-Huberman, Que Emoção! Que Emoção? é sucesso absoluto de vendas no Rio de Janeiro, segundo Titan, sem saber como explicar o fenômeno. A tiragem é ainda pequena (3 mil exemplares), mas alguns volumes da coleção já foram reimpressos (caso de Cândido e Obras Incompletas, de Nietzsche). Alguns livros da coleção trazem ficção contemporânea, como o romance 14, do francês Jean Echenoz, de 69 anos, premiado com o Goncourt, retrato sensível e delicado sobre cinco homens e uma mulher da classe média e operária durante a 1ª. Guerra.

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Para o ano de 2017, Titan prepara o lançamento de outra obra de ficção, desta vez um clássico de Edgar Allan Poe, O Escaravelho de Ouro, que vem com ilustrações (feitas nos anos 1930) do expressionista alemão Alfred Kubin, que exerceu grande influência sobre artistas brasileiros (Goeldi, em particular). Entre os ensaios programados para o próximo ano, destaca-se um livro de Jean-Pierre Vernant (1914-2007) sobre mitologia grega. O historiador e antropólogo foi um dos maiores especialistas na cultura helênica.

“Como digo no pequeno texto que acompanha todos os livros da coleção Fábula, a palavra vem do verbo ‘fari’, que quer dizer falar, ou seja, a fabulação é uma extensão natural da fala e, portanto, tudo é escritura, quer dizer, fábula, como disse Cortázar, fazendo muito sentido explorar as fronteiras entre prosa, poesia e pensamento”, observa Titan. Na infância, ele leu os clássicos de capa e espada, passou depois para os romances franceses do século 19 e, numa certa altura, recorda, lhe caiu às mãos um livro do filólogo alemão Erich Auerbach (1892-1957). Foi o começo de uma bela amizade literária com um autor morto – e que dura até os dias de hoje. 

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