10 de dezembro de 2019 | 06h00
Até dezembro de 2020, muito vai se falar sobre Clarice Lispector, a autora de A Paixão Segundo G. H. e A Hora da Estrela: em 2020, completam-se 100 anos do seu nascimento.
Para os leitores interessados nesse mergulho, a poeta Mariana Ianelli fez, a convite do Estado, uma sugestão de roteiro de leitura.
Ficção da década final da produção da escritora. Pequena dose de Clarice concentrada. Vale a aposta nesse choque inicial, já que a experiência de ler Clarice passa, inevitavelmente, pelo espanto de algo que nos é ao mesmo tempo insólito e muito íntimo. O difícil desta ficção de alta poeticidade e pouco enredo é o difícil de pensar “sem ser com a cabeça” (C.L.).
Recolha póstuma de crônicas, serve para temperar o primeiro impacto com o texto de Clarice e tomar contato com a escritora em sua voz mais pessoal, de bastidor, a partir de como ela encara e leva para a literatura episódios da vida cotidiana e do real.
Seu livro de contos mais popular, coletânea perfeita tanto para quem quer começar quanto para quem busca o melhor e o mais palatável de Clarice num livro só. Aí estão também alguns dos seus motivos mais caros (por exemplo, o ovo e a galinha) e seu modo característico de narrar: pensando a mescla impura de sensações humanas em pequenas ocorrências de enredo que deflagram grandes implosões nos personagens.
Entre as coletâneas de contos de Clarice, a mais controversa, escrita sob encomenda. Para rever, hoje, neste livro, as transgressões do feminino. Ou seguir sem erro por outros contos, de Felicidade Clandestina (1971) e A Legião Estrangeira (1964).
Último romance de Clarice (com publicação póstuma), pode servir de mergulho não só nas inquietações humanas dos personagens: também uma imersão nas questões metadiscursivas, nas inquietações próprias da criação e do processo de escritura, questões de origem e identidade, outra marca de Clarice.
Romance que “começa sem começo”, bem claricianamente: com uma vírgula. História de dois personagens em mútua aprendizagem de amor: livro de mínima trama e grandes acontecimentos internos (do corpo, do ser, do pensamento). Também uma história sobre os prazeres da linguagem.
Romance dos mais complexos da obra da escritora, tem um ponto de vantagem para o leitor comum: “É coisa para ser subliminarmente compreendida” (C.L.). Como de fato aconteceu, e a escritora contou em entrevistas, o enigma de recepção deste vertiginoso monólogo (de alta poeticidade, como Água-viva) é que um adolescente de repente pode alcançar tudo dele, e um professor de literatura, nada. Livro de iluminações, pode ser lido/descoberto em fragmentos (vide adaptação de Fauzi Arap, para o teatro, em 2002, na interpretação de Mariana Lima).
Um romance considerado denso, difícil, filosófico. Para leitores desapressados e dostoievskianos. Também explora as inquietações do próprio dizer, da própria linguagem. Vale a pena chegar a este livro tendo já passado pelo metadiscurso de outros, como Água-viva, Um Sopro de Vida ou Uma aprendizagem.
Romance menos conhecido, de recepção também controversa, indecifrável para muitos. Para Clarice, um de seus melhores trabalhos, que escreveu quando morava na Suíça (Berna) e estava grávida. Está entre os livros da primeira década (terceiro romance) e, mesmo entre eles, é o menos “clariciano” (intuitivo), intencionalmente aparatado de referências, nomes, símbolos e cenários.
Mesmo quem conhece pouco de Clarice alguma vez ouviu falar de Macabéa, personagem popularizada no imaginário literário brasileiro desde 1985, com o filme homônimo de Suzana Amaral. É interessante (recomenda-se) uma leitura de extremidades, num retrospecto da “estrela de Clarice”: de Macabéa, uma das últimas personagens criadas pela escritora, a Virgínia e Joana, personagens dos primeiros livros, O Lustre (1946) e Perto do Coração Selvagem (1943).
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