Cinzas de Saramago são enterradas em sua cidade-natal

Restos mortais do escritor português são sepultados sob a sombra de uma oliveira

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Por Óscar Tomasi
Atualização:

As cinzas de José Saramago repousam a partir deste sábado, 18, em Lisboa sob a sombra de uma centenária oliveira em sua cidade-natal, a aldeia lusa de Azinhaga, em um reencontro com suas raízes que tanto idealizou em seu livro "As Pequenas Memórias" que ocorre no marco do primeiro aniversário de sua morte.

 

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Em um ato carregado de simbolismo, a viúva do escritor, Pilar del Rio, enterrou seus restos mortais em um pequeno jardim em frente à Casa dos Bicos, edifício histórico da capital portuguesa, que abrigará a sede da fundação que leva o nome do escritor.

 

Diante de dezenas de cidadãos e autoridades, suas cinzas foram sepultadas sob terra recolhida da ilha de Lanzarote (Canárias, Espanha), onde viveu seus últimos anos e foi cenário de seu livro "Palavras de uma cidade", uma carta de amor à Lisboa, onde se formou e moldou seu pensamento. "Não é um ano sem Saramago. É um sem José. Saramago está mais presente do que nunca", disse a viúva do único autor de língua portuguesa a receber o prêmio Nobel de Literatura.

 

Textos, palestras, filmes e novos livros sobre o autor surgiram durante todo o ano, e hoje até comum ler seus versos impressos em camisetas, como visto no enterro de suas cinzas em uma cerimônia no também contou com a decoração de cravos, símbolo da revolução portuguesa de 1974.

 

A natureza imortal do trabalho de Saramago também se reflete no epitáfio registrado em uma pedra posta ao lado da oliveira em que repousam os restos, tirada da última página de seu romance "Memorial do Convento" "Subiu para as estrelas, mas à terra pertencia. "

 

Del Rio disse que, desde sua partida "vêm ocorrendo um mundo de acontecimentos, como o surgimento de movimentos de cidadãos críticos ao funcionamento do sistema político que Saramago nos ajudou a entender", através de seus textos - especialmente em seu "Ensaio sobre a lucidez".

 

"Ele não era profeta ou guru, apenas um homem que pensava, um intelectual que viu a realidade e a levantava para que víssemos sob ela. Dizia:’Não nos resignemos de usar o poder que nós, cidadãos, temos que pensar, pensar...’”, disse.

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As homenagens ocorrem neste sábado em todo Portugal, como em países como México, Itália ou Espanha, e lembram Saramago 12 meses após sua morte, que foi vítima, aos 87 anos, de leucemia crônica. Saramago foi considerado em vida como a maior figura da língua portuguesa contemporânea e conhecido também por seu ativismo político – foi filiado ao Partido Comunista – e envolvimento social.

 

Para o domingo também é planejada outra homenagem na capital portuguesa, no espetáculo "As Sete Últimas Palavras de Cristo", que mistura a música de Joseph Haydn aos textos do escritor, lido por moradores de rua que compartilham histórias de dificuldades e sofrimentos.

 

O enterro de suas cinzas em Lisboa teve a presença da ministra da cultura de Portugal, Gabriela Canavilhas, do prefeito António Costa, e a filha do escritor, Violante, entre outros, em cerimônia que começou e terminou com uma procissão de tambores.

 

E assim, o escritor estará para sempre ao lado dos símbolos de sua infância, as oliveiras de Azinhaga, mesmo tipo de árvore que tinha três espécimes no jardim de sua casa, em Lanzarote.

 

Uma hora depois da cerimônia, de caráter simples e solene, as pessoas se sentaram em uma bancada de mármore à sombra da oliveira, talvez esperando ver, como lembra o Del Rio, o lagarto verde descrito por Saramago em "Pequenas Memórias".

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