Chico Buarque une realidade e ficção em seu novo livro, 'O Irmão Alemão'

Cantor e compositor fez pesquisas sobre o irmão em Berlim

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Por Ubiratan Brasil
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Chico Buarque descobriu a história aos 22 anos - em 1967, ele estava na casa de Manuel Bandeira ao lado de Tom Jobim e Vinicius de Moraes quando o poeta se referiu ao “filho alemão do seu pai”. De fato, Sergio Buarque de Holanda morou em Berlim entre 1929 e 1930, quando estudou e foi correspondente de O Jornal, ligado aos Diários Associados.

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Nesse período, Sergio também manteve uma aventura amorosa com uma alemã chamada Anne Ernst e, dessa relação, nasceu um filho, Sergio Ernst. O historiador brasileiro nunca conheceu o rapaz e, apesar de não ser segredo, o assunto não era abertamente tratado na família criada depois por Sergio Buarque.

Em diversos momentos, Chico comentou publicamente sobre a existência do meio-irmão. A curiosidade, porém, tornou-se mais intensa a ponto de ele se inspirar no paradeiro de Sergio Ernst para escrever O Irmão Alemão, seu novo livro em que a fronteira entre ficção e realidade é difusa - lançada pela Companhia das Letras, a obra chega às livrarias em uma boa fornada: são 70 mil exemplares na primeira edição.

O livro de Chico Buarque, "O Irmão Alemão", venceu na categoria de melhor romance Foto: Divulgação

“Ele começou o trabalho de escrita em março de 2013 e só terminou em setembro desse ano”, conta Luiz Schwarcz, diretor da Companhia, que sempre acompanha intimamente o processo criativo. “Mas a ideia já o acompanhava muito antes - Chico queria saber o destino do irmão, especialmente se ele havia morrido em algum campo de concentração durante a 2.ª Guerra.”

O risco, de fato, aconteceu pois, quando iniciava a escrita do romance, Chico descobriu uma correspondência, preservada pela mãe, Maria Amelia, que foi trocada entre seu pai e autoridades alemãs, que o tratavam como Sergio de Hollander. À época, os nazistas estavam no poder e queriam se certificar com o historiador brasileiro de que a criança, então sob a guarda do Estado, não tinha antepassados judeus, a fim de liberá-la para adoção.

A descoberta apenas aumentou o fervilhar de ideias do escritor. Afinal, Chico já se empenhara em tornar o assunto o tema de seu novo livro depois de ter lido Austerlitz, de W. G. Sebald, no qual o principal personagem - um refugiado garoto judeu checo enviado em um trem para ser criado por um pastor calvinista no País de Gales - é justamente deslocado de seu tempo, sempre temeroso de que o passado retorne e se torne o presente. E também de Paris, a Festa Continuou, em que Alan Riding detalha como parte de artistas e empresários ligados à cultura francesa se acomodou diante das forças de ocupação.

“Sempre que termina a temporada de um show ou a escrita de um livro, Chico passa por um período de descanso de 3 a 4 anos em que se abastece de ideias”, conta Schwarcz. “Assim, depois de me pedir sugestões de leitura, indiquei alguns livros, mas foram aqueles que mais lhe chamaram a atenção, especialmente Austerlitz, que lhe despertou interesse sobre o destino daquele irmão que jamais conhecera.”

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Assim, quando descobriu as cartas preservadas pela mãe, Chico Buarque iniciou um processo detalhado de pesquisa. Com a ajuda do historiador brasileiro Sidney Chalhoub, indicado pela editora enquanto passava um período acadêmico em Berlim, e também dos pesquisadores João Klug (historiador) e Dieter Lange (museólogo), grupo que se empenhou um trabalho de detetive, o escritor conseguiu finalmente desvendar os passos do “irmão alemão”, descobertas surpreendentes.

Em seu livro, Chico reconta a história sob o olhar firme da ficção. Assim, em 1960, o jovem Francisco de Hollander, ou Ciccio, como o trata a mãe, vive com os pais em um casarão em São Paulo repleto de livros - trata-se da segunda maior biblioteca particular da cidade. 

O primeiro capítulo de O Irmão Alemão, aliás, é exemplar, pois, em poucas páginas, Chico determina esplendidamente a rotina do garoto: a misteriosa admiração pelo pai, absorto na leitura e na pesquisa e constantemente auxiliado pela mulher, Assunta, que também é transformada em mágoa, por não ser o filho preferido.

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Em sua tentativa de se aproximar do pai, Francisco vasculha, escondido, sua biblioteca, a fim de adquirir um conhecimento à altura e, certo dia, descobre uma carta escondida dentro de um volume. Escrita em alemão, a missiva trata de um misterioso filho que seu pai tem na Alemanha. A partir daí, a narrativa empreende por caminhos vertiginosos, unindo holocausto, ditadura brasileira e problemas atuais.

“Foi um livro muito difícil de ser escrito, mas, ao final, Chico oferece um profundo mergulho na literatura”, diz Schwarcz. OBRASFazenda Modelo (1974) Chapeuzinho Vermelho (1979) À Bordo do Rui Barbosa (1981) Estorvo (1991) Benjamim (1995) Budapeste (2003) Leite Derramado (2009)O IRMÃO ALEMÃOAutor: Chico Buarque Editora: Companhia das Letras (240 págs., R$ 39,90 (livro) e R$ 27,90 (e-book)

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