Cartas, fotos, textos e ilustrações de Delmiro Gonçalves serão doados para a Pinacoteca

Preciosidades foram encontradas por Fernanda Furmankiewicz, sobrinha-neta do crítico, na casa de seu pai

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Por Edison Veiga
Atualização:

“O fácil o fóssil/ o míssil o físsil/ a arte o infarte”... Com a inconfundível caligrafia, é Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), o poeta, quem preencheu e assina as páginas a caneta endereçadas ao jornalista, cronista, crítico de arte e dramaturgo Delmiro Gonçalves (1916-1975). O manuscrito soma-se a centenas de cartas, ilustrações, fotografias e textos – próprios ou de terceiros – que Gonçalves legou e, hoje, recuperados por sua sobrinha-neta, estão em processo de doação à Pinacoteca do Estado.

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Fernanda Furmankiewicz, 43 anos, é nutricionista e encontrou as preciosidades na casa do pai, o engenheiro Hélio Furmankiewicz, de 75 anos. “Sempre ouvi histórias de meu tio-avô e consideramos que repassar o material para uma instituição é a melhor maneira de preservá-lo”, afirma ela. 

As cartas e o manuscrito de Drummond são o que mais salta aos olhos de quem primeiro se depara com o acervo. O poeta alterna textos datilografados com manuscritos, por vezes assina simplesmente Carlos, noutras somente Drummond, às vezes o completo Carlos Drummond de Andrade. O conteúdo parece estritamente profissional – falam sobre crítica literária e chegam a combinar um texto que o Suplemento Literário do Estado, onde Gonçalves trabalhava, publicaria em homenagem a Manuel Bandeira. Mas o tom é de proximidade, como quando o poeta se dirige ao jornalista tratando-o por “meu caro e bom Delmiro Gonçalves” e dizendo-se “seu grato devedor”. 

Drummond. Manuscrito e cartas do poeta são destaque Foto: Marcio Fernandes|Estadão

Na coleção há também desenhos, a caneta, assinados por Jaguar, uma carta (datilografada) de Rubem Braga (1913-1990), fotografias de diversas personalidades artísticas e correspondências de Paulo Emílio Sales Gomes, entre outros nomes. “Ele era um interlocutor da intelligentsia de sua época”, comenta Fernanda.

Nascido em São Paulo, Gonçalves cursou Direito no Largo de São Francisco – mas não exerceu a carreira jurídica. Enveredou-se pela dramaturgia teatral e pelo jornalismo. Trabalhou em O Tempo, na Folha da Manhã e, de 1954 até a morte, em 1975, no Estado. Neste, foi um dos editores do Suplemento Literário, crítico de arte, redator e cronista do Suplemento Feminino. 

Em 1965 publicou seu único livro, uma antologia de crônicas batizada de O Bicho da Lua – um exemplar também será doado. Gonçalves foi secretário do Museu de Arte Moderna, colaborador das bienais de São Paulo e, entre 1967 e 1970, dirigiu a Pinacoteca. Aliás, daí a escolha da família em repassar o acervo à instituição.

De próprio punho. Drummond enviava textos escritos à mão Foto: Marcio Fernandes|Estadão

“O conjunto documental possui, em grande parte, itens relacionados à atuação de Delmiro Gonçalves na área teatral, incluindo porém, documentos produzidos no período em que atuou como diretor da Pinacoteca do Estado, sendo portanto, de extrema relevância para a memória institucional”, afirma a coordenadora da Biblioteca Walter Wey e Centro de Documentação e Memória da Pinacoteca, Isabel Maringelli. Uma vez integrado ao acervo, o material será “processado e disponibilizado para consulta e pesquisa”.

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Crônicas. Uma cuidadosa pasta contém, uma a uma, as colunas publicadas por Gonçalves no Suplemento Feminino. Rendiam a ele – “solteirão impenitente”, como foi classificado em seu obituário publicado pelo Estado – muitas cartas de leitoras, também arquivadas. “Não o conheço, mas gostaria de saber como é o rosto de um homem que escreve cousas tão sinceras, tão seguras”, escreveu uma delas, Maria Tereza, em 23 de dezembro de 1966. 

Mas a crônica que mais repercutiu entre seu público, a julgar pela quantidade de cartas – algumas desaforadas, outras corroborativas – foi quando se meteu a criticar o monumento a Borba Gato, inaugurado em Santo Amaro em 1962. “É um trambolho que, apesar de ser amado por alguns, não deixa de ser um atentado à estética”, publicou Gonçalves. “Realmente aquele amontoado de pastilhas é um monstrengo. Aqui em casa recomendamos uma visita ao dito quando alguém tiver soluço insistente”, comentou a ele a leitora Dona Helga.

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