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‘Brado Retumbante’, de Paulo Markun, narra o Brasil moderno

Do golpe de 1964 à campanha das Diretas-Já, livro é longa e penosa travessia em uma noite escura

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Já em seu ocaso, 2014 foi marcado por duas efemérides – os 50 anos do golpe militar e os 30 das Diretas-Já, movimento que apressou o fim da ditadura. Brado Retumbante, encorpada narrativa em dois volumes do jornalista Paulo Markun, trata de preencher lacunas de memória em torno dessas duas datas, que marcam o princípio e o fim de um dos mais ricos e trágicos períodos da história brasileira. 

O primeiro volume, Na Lei ou na Marra – 1964 - 1968 cobre o período que vai do golpe civil-militar que derruba o presidente João Goulart em 1.º de abril de 1964 até a decretação do Ato Institucional n.º 5, em 13 de dezembro de 1968, que joga o País na ditadura escancarada. 

Comício pelas Diretas. O povo enterra a ditadura Foto: OSWALDO L. PALERMO/ESTADÃO

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O segundo volume, Farol Alto Sobre as Diretas – 1969-1984, refaz a trajetória da qual se pode dizer, de modo um tanto melodramático, que vai das trevas à luz. Da tirania instalada no final de 1968, através do caminho lento, sofrido e cheio de nuances que conduz ao maior movimento de massas em prol da democracia da nossa história. 

Markun começou a escrever o livro quando o País já discutia sua nova Constituição e se preparava para eleger um presidente da República após 21 anos de ditadura. Ele nasce de uma ideia do jornalista, levada a Carlos Vogt, então pró-reitor de Cultura da Unicamp, de um curso chamado Brasil Memória Política, desenvolvido entre maio e junho de 1987. O ciclo de palestras colocou em cena atores da história como o Capitão Sérgio Ribeiro de Miranda (o Sérgio Macaco), Luis Inácio Lula da Silva, Mário Covas, Almino Affonso e Leonel Brizola. Ulisses Guimarães prometeu ir, mas não foi. Para o debate final, reuniram-se Fernando Henrique Cardoso, Claudio Abramo, Paulo Sérgio Pinheiro e Francisco Weffort. 

Esses encontros estimularam o autor, e sua equipe, a percorrer papéis, informações, esmiuçar toda uma vasta bibliografia, além de realizar inúmeras entrevistas, com o fito de estabelecer a narrativa contínua desses anos trepidantes. O projeto parou, foi retomado em 2010, redundou num site e, agora, nestes volumes que, juntos, somam 904 páginas. 

Esta é uma daqueles narrativas que, como se costuma dizer, às vezes abusivamente, “lê-se como um romance”. No caso, a frase feita tem sua razão de ser, pois a História do Brasil parece mesmo uma ficção de alto interesse, mesmo porque somos nós seus personagens. E, como se deduz da leitura, nem sempre personagens principais ou desejados. Pois, embora no Brasil os poderosos falem muito em democracia, no mais das vezes o sentimento dominante nas elites é uma espécie difusa e mal disfarçada de demofobia. O povo é bom quando conhece o seu lugar. 

Além do mais, o respeito às instituições nem sempre tem sido a melhor virtude dos nossos políticos, e tentativas de golpe, quando os resultados das urnas não satisfazem, não são invenção recente. Pelo contrário, a intervenção muitas vezes esteve no horizonte nacional, como quando Getúlio Vargas dá um golpe em 1930, impedindo a posse do presidente eleito Júlio Prestes, e depois consolida a ditadura em 1937. Quando, por sua vez, é deposto em 1945 e, ao voltar pela via eleitoral em 1950, é levado ao suicídio em 1954 sob uma saraivada de denúncias. A maré golpista tenta impedir a posse de Juscelino Kubitschek em1955 e derruba João Goulart em 1964. E é neste ponto que começa a tragédia – 21 anos seguidos de ditadura, que só terminam em 1985, com a eleição de um civil, Tancredo Neves, pelo Colégio Eleitoral.

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Os passos desse período turbulento são bem conhecidos. A “eleição” de sucessivos generais, de Castelo Branco a João Figueiredo. O AI-5, os anos Médici e o “Brasil Grande”, a tortura, a censura à imprensa, assassinatos como os de Vlado Herzog e Manoel Fiel Filho. A abertura lenta e gradual, o atentado de direita no Riocentro, até a reorganização e fortalecimento da sociedade civil e o movimento pelas Diretas, ponto de chegada da narrativa. 

Ficam, da leitura, pontos altos como a longa descrição da reunião do Conselho de Segurança Nacional, quando já se prefigurava o AI-5, em julho de 1967, e sobre o Congresso da UNE em Vinhedo, anterior e menos conhecido que o de Ibiúna. Fica também, da totalidade da obra, a narrativa límpida dos jogos de bastidores, golpes e contragolpes, pressões e contrapressões (sístoles e diástoles, conforme a imagem de Golbery do Couto e Silva) que levam à entrada em cena, afinal, do povo – em nome do qual tudo fora feito, sem que este ao menos soubesse ou tivesse sido consultado sobre seus destinos.

O BRADO RETUMBANTE VOLUMES 1 E 2

Autor: Paulo Markun

Editora: Benvirá (vol. 1: 424 págs., R$ 49,90; vol. 2: 480 págs., R$ 49,90)

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