Biógrafo diz que Sylvia Plath é a 'Marilyn Monroe da literatura moderna'

Autor de 'Isis Americana', diz que 'mortos povoam poemas' da poeta

PUBLICIDADE

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Morta há 52 anos, a poeta norte-americana Sylvia Plath (1932-1963) estava precisando de uma nova biografia, uma biografia que, segundo o professor Carl Rollyson, do Baruch College de Nova York, reconhecesse seu desejo doentio “de ser o foco da atenção” e, ao mesmo tempo, “um farol para os modernos”. Rollyson, que já assinou biografias de gente tão ou mais complicada - a dramaturga e roteirista Lillian Hellman (1905-1984), a atriz Marilyn Monroe (1926-1962), o escritor Norman Mailer (1923-2007) e a ensaísta Susan Sontag (1933-2004) -, achou que os biógrafos anteriores de Sylvia Plath “se equivocaram na construção” da poeta, obcecados que estavam por seus problemas psicológicos. E enfrentou o desafio de escrever Isis Americana, que a editora Bertrand Brasil coloca nas livrarias em meados de fevereiro (provavelmente depois do carnaval). Sem meias-palavras, ele define a poeta como “a Marilyn Monroe da literatura moderna”, o que pode chocar seus leitores, mas não seus colegas, como a premiada Anne Sexton (1928- 1974), que até classificou seu suicídio de “uma boa manobra em termos de carreira”.

O comentário de Sexton, reconhece Rollyson, foi rude, mas tem algo de verdadeiro: Sylvia Plath queria ser “o núcleo da mitologia da consciência moderna”. E ele fez dela nada menos que uma deusa imortal - ainda que, paradoxalmente, uma deusa egípcia tomada como modelo de mãe e esposa, ao batizar seu livro de Isis Americana. Sexta biografia da poeta em 50 anos, a de Rollyson é a primeira a se beneficiar dos arquivos do poeta Ted Hughes na Biblioteca Britânica, 41 cartas de Plath para o marido que, ao contrário da companheira, gostava de privacidade. Sua biografia não despreza o choque de personalidades entre Hughes e Plath, ele que foi acusado de ter levado a mulher ao suicídio por sua infidelidade conjugal e certa impaciência com o temperamento ciclotímico de Plath. Outros biógrafos chegam mesmo a diagnosticar a poeta como bipolar, caso do inglês Andrew Wilson (em Mad Girl’s Love Song: Sylvia Plath and Life Before Ted).

PUBLICIDADE

Em entrevista ao Caderno 2, por telefone, o professor de jornalismo norte-americano Carl Rollyson, que prepara uma biografia de William Faulkner, evitou colocar um selo em Sylvia Plath. “Sou biógrafo, não psiquiatra, então não posso afirmar que as crises depressivas da poeta fossem indicativas de bipolaridade.” Distúrbio de personalidade borderline (ou fronteiriço) é outro transtorno mental que caracterizaria a poeta, segundo os biógrafos anteriores, que não encontraram diagnóstico melhor para definir a instabilidade emocional e o descontrole impulsivo de Plath, que já havia tentado o suicídio em 1953, aos 21 anos.

Donald Spoto, biógrafo de Marilyn Monroe e Tennessee Williams, classificou a biografia escrita por Rollyson de “definitiva”. Pode não ser, mas é bastante corajosa, ao expor Sylvia Plath como uma poeta obcecada por Marilyn Monroe, a ponto de ter um sonho com a atriz (registrado em seu diário em 3 de outubro de 1959) como uma espécie de fada-madrinha que fazia suas unhas e dava conselhos à afilhada. “Não diria que as duas tinham a mesma ambição intelectual, mas ambas demonstravam um talento enorme para a performance e buscaram como companheiros escritores e substitutos do pai que pudessem admirar”, observa o biógrafo. O dilema de Plath, conclui Rollyson, não era muito diferente do de Marilyn, cujos dois melhores filmes (Nunca Fui Santa e Os Desajustados, segundo ele) “exploravam suas próprias características e experiências”. Plath usou e abusou de material retirado da própria vida - e um exemplo disso é seu único romance, A Redoma de Vidro, que está sendo relançado pela Globo (leia abaixo). Pagou “um preço emocional enorme” por isso, conclui o biógrafo.

Plath, segundo Rollyson, teria construído aos poucos uma persona, uma heroína de tragédia épica a vociferar para a mãe, em 1962, um ano antes de se matar, que o mundo não precisa de coisas alegres. “O que uma pessoa saída de Bergen-Belsen - física ou psicologicamente - quer é que ninguém diga que os passarinhos ainda gorjeiam, mas, sim, que lhe exponha o pleno conhecimento de que outra pessoa esteve lá e conhece o pior, é precisamente isso.” Para Plath, analisa o biógrafo, “o Holocausto era tanto literal como metafórico - ela não queria os dois separados em seus poemas, queria sentir-se como um judeu e como ‘uma negra de patas cor-de-rosa’ torturada com cigarros em The Jailor”.

Buscando em Ted Hughes um companheiro, depois de tantos amantes escolhidos ao acaso, a garota prodígio, que publicou seu primeiro poema aos 8 anos, acabou encontrando um concorrente capaz de ofuscá-la, mas não como exagera a diretora Christine Jeffs no filme Sylvia (2003), em que Gwyneth Paltrow interpreta a poeta. “Ela mostra Plath como uma pobre poeta que não escrevia de maneira tão fluente como Hughes e fazia bolos para compensar a falta de inspiração, quando deveria estar fazendo poemas, o que é bastante esquemático e simplista”, critica o biógrafo. Pode parecer perverso, reconhece o biógrafo, mas Plath encontrou uma maneira de “recuperar a si mesma” por meio do suicídio. Prova disso é que seu poema final, Edge, descreve uma mulher aperfeiçoada pela morte, exibindo um sorriso de realização. Lady Lázaro sabia que iria renascer na poesia.ISIS AMERICANA Autor: Carl Rollyson Tradução:Regina Lyra Editora:Bertrand Brasil(392 págs.,R$ 55) Disponível nas livrarias em meados de fevereiro

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.