Artistas comentam a obra de Luis Fernando Verissimo; veja depoimentos

Para Ignácio de Loyola Brandão, autor, que terá obra reeditada, é 'o silencioso mais eloquente do Brasil'

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Por Ubiratan Brasil
10 min de leitura

Uma das raras personalidades brasileiras a se aproximarem da unanimidade, Luis Fernando Verissimo coleciona admiradores em todas as áreas, muitos dos quais discípulos confessos de sua obra. “Com seus esquetes perfeitos, impecáveis, ele influenciou muitos humoristas, como nós, do Porta dos Fundos”, disse Gregório Duvivier ao Estadão

Situação semelhante à vivida por seu colega Fabio Porchat: “Verissimo foi uma excelente introdução à literatura, à comédia e foi a primeira fonte artística em que comecei a beber”. Mas, qual seria o segredo dessa escrita? Uma hipótese é apresentada pelo escritor Milton Hatoum: “Em textos breves, Verissimo é capaz de armar uma trama, construir bons personagens e dar coerência a assuntos heterogêneos, e mesmo díspares”.

Em foto de julho de 2012, Luis Fernando Verissimo ao lado de Zuenir Ventura e João Ubaldo Ribeiro (já falecido) em foto para a Casa de Cultura de Paraty, na 10ª edição da Feira Literária Internacional de Paraty, no Rio de Janeiro. Foto: Luis Cleber/Estadão

Para chegar lá, ele “combina inteligência, senso de humor apuradíssimo e domínio absoluto dos múltiplos recursos da nossa língua – cujas transparências ele é capaz de enxergar como poucos”, no entender da autora Ana Maria Machado.

Humoristas

Dono de um estilo peculiar, Verissimo se iguala a grandes autores do humor, mesmo de outros países – é o que observa Ruy Castro. “Alguns achavam que Luis Fernando se inspirava em Woody Allen, que então escrevia para a The New Yorker. Eu dizia que não, que a semelhança se devia ao fato de ele ser discípulo dos mesmos mestres de Woody: os grandes Robert Benchley e S. J. Perelman”, comenta Castro.

E, também importante, ele não se intimidou com o sucesso alcançado pelo pai, o também escritor Erico Verissimo. “É como se um certo capitão Rodrigo tivesse ido morar na cidade grande, conhecido Freud e aprendido jazz com seu saxofone, sem as mesuras cínicas do verniz da civilização”, compara o historiador e escritor Leandro Karnal.

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Já a opção por falar pouco é conhecida por amigos, que a descrevem como virtude por concentrar a atenção em sua escrita. “O homem que escreve, não fala. Quando fala, coloca o dedo na ferida. Ou no coração. Verissimo, o silencioso mais eloquente do Brasil”, descreve Ignácio de Loyola Brandão. 

Depoimentos

Confira abaixo a íntegra de alguns depoimentos de personalidades sobre Luis Fernando Verissimo

“Ele é um homem tímido e introspectivo. Sob um verniz pacato ferve um vulcão de criatividade: textos, humor, crônicas e música. Nacionalizou o regionalismo fazendo do analista de Bagé um “causo” federal. As Comédias da Vida Privada ganharam telas e mentes. A Família Brasil era um retrato filosófico-divertido da consciência da classe média brasileira. Irônico, de uma graça que oscila da gargalhada à melancolia, tece um olhar original sobre as desventuras tupiniquins.

Fato raro a registrar: tendo pai genial, fez carreira também brilhante. É como se um certo capitão Rodrigo tivesse ido morar na cidade grande, conhecido Freud e aprendido jazz com seu saxofone, sem as mesuras cínicas do verniz da civilização. Ler Luiz Fernando oferece uma lição dupla de pensar e de escrever. Com Érico, nossa história era épica. Com Luiz, tornou-se crônica brilhante com os pedaços do real que conseguimos suportar por enquanto. Aguardo o talento dos netos.”

Leandro Karnal, historiador e escritor

O historiador Leandro Karnal Foto: Hélvio Romero/Estadão

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* “Fui um dos primeiros editores de Luis Fernando Verissimo ao norte do Rio Grande – em 1976, na recém-lançada revista Domingo, do Jornal do Brasil. Era um prazer secreto ser o primeiro a ler sua crônica, que ele mandava de Porto Alegre. Alguns achavam que Luis Fernando se inspirava em Woody Allen, que então escrevia para a The New Yorker. Eu dizia que não, que a semelhança se devia ao fato de ele ser discípulo dos mesmos mestres de Woody: os grandes Robert Benchley e S.J. Perelman. Depois Luis Fernando dispensou essas influências e criou seus personagens brasileiros, como o Analista de Bagé, a Velhinha de Taubaté e outros, e deslanchou. Mas nunca deixou de ser sofisticado. Como se não bastasse, toca sax-alto e desenha tiras de quadrinhos. Quem pode com ele?”Ruy Castro, escritor

O escritor Ruy Castro em seu apartamento no Leblon, zona sul do Rio Foto: Wilton Junior/Estadão

*

“Ninguém escreve como ele, ninguém escreve melhor do que ele, com total domínio do fraseado, do ritmo, da cadência e da articulação das ideias. Já se autodefiniu como “um gigolô das palavras” e delas sempre exigiu e obteve total submissão. As palavras vêm comer em sua mão. Seu humor, que ele jura não ser espontâneo, mas pura elaboração técnica, tem o mesmo brilho do de Millôr Fernandes e Ivan Lessa. Se tocasse clarinete, não sax, já teria incluído Woody Allen na frase anterior”Sergio Augusto, escritor

"Assim como todas as famílias felizes se parecem entre si e as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira, toda grande história de amor, para fugir à banalidade, deve terminar mal, de preferência com um suicídio - como a de 'Ana Karenina'." Foto: Wilton Junior/Estadão

* “Certeiro. O homem de frases inesperadas. O homem que escreve, não fala. Quando fala, coloca o dedo na ferida. Ou no coração. Verissimo, o silencioso mais eloquente do Brasil. Quieto, vai lá dentro (dele) e saca: “Todo homem depois dos quarenta, abdica de suas fomes, salvo a que o mantém vivo”. E te obriga a olhar para dentro de você. O humorista que raramente ri. O humorista que nos mostra o Brasil em sua verdadeira face, macabra, escrota, mentirosa. Define-se rapidamente: “sou inocente até onde um autor pode ser inocente.” Assim como todos corruptos apanhados com a mão na mala gritam: ”sou inocente.” Enquanto os autores normais gastam uma página para definir um personagem, ele vai direto: “Ele se tornara místico, só não levitara por causa do peso.” Sutil: “Uma cumplicidade de machos embora nunca tivesse me falado nada de sexo. Verissimo, o silencioso mais eloquente do mundo.Ignácio de Loyola Brandão, escritor

Ignácio de Loyola Brandão estreou na literatura em 1965, com o livro de contos Depois do Sol Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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* “Meu primeiro contato com Verissimo foi na TV assistindo Comédia da Vida Privada. Comecei a ler seus livros e coletâneas, que eram hilários, divertidos. Era muito fácil de ler, no melhor sentido da palavra fácil. Ela alcançava todo mundo. Foi ele quem me fez querer escrever: eu lia aquilo e sabia que tinha algo a comunicar. Comecei a escrever crônicas inspiradas nas dele, assisti às peças adaptadas em sua obra. Levava meus amigos. Verissimo foi uma excelente introdução à literatura, à comédia e foi a primeira fonte artística em que comecei a beber”Fabio Porchat, humorista

Fábio Porchat comandou programa na Record TV até o final de 2018. Foto: Juliana Coutinho/Globo

* “Em textos breves, Verissimo é capaz de armar uma trama, construir bons personagens e dar coerência a assuntos heterogêneos, e mesmo díspares. A linguagem meticulosa e exata desse mestre da síntese aponta para algo grande. Outra singularidade é a combinação de humor e ironia, que resulta numa expressão cômica, sempre crítica, sutil e inteligente. Os assuntos explorados pelo narrador – um caso trivial ou um tema elevado – nunca perdem um ar de naturalidade, que, no entanto, é apenas aparente. Uma curiosidade: o romance policial O Opositor é ambientado em Manaus e tem um personagem bigodudo com cara de jambo. O nome dele é Hatoum. Lembro que ri muito.”Milton Hatoum, escritor

Projeto de 'O Lugar Mais Sombrio', de Milton Hatoum,nasceu nos anos 1980 e seria apenasum volume. Foto: Daniel Teiseira/ Estadão

* "Não conheço ninguém, além do Luis Fernando Verissimo, capaz de reunir tantas condições de gênio: a inteligência, o senso de humor, a presença de espírito."Zuenir Ventura, jornalista e escritor

O escritor e jornalista Zuenir Ventura Foto: Bel Pedrosa

* Verissimo é mais que um ídolo. Escreve as colunas que eu queria escrever, desenha os quadrinhos que eu queria desenhar, teve a infância e juventude que eu queria ter tido, se foi da forma que narra.Marcelo Rubens Paiva, escritor

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Pré estreia do documentário Adoniran - Meu Nome é João Rubinato, no Petra Belas Artes Foto: Silvana Garzaro

* "Luis Fernando Veríssimo combina inteligência, senso de humor apuradíssimo e domínio absoluto dos múltiplos recursos da nossa língua – cujas transparências ele é capaz de enxergar como poucos. Esse formidável aparato se fortalece em sólido convívio com o cânone artístico e ouvido agudo para o nosso dia-a-dia, forjando as ferramentas afiadas com que o autor defende valores humanistas e democratas. É um mestre. Desses que a gente, ao mesmo tempo, ama e admira."Ana Maria Machado, escritora

A escritora Ana Maria Machado, que está lançando três livros Foto: Hélvio Romero/Estadão

* "A frase que eu mais amo do Verissimo foi uma que ele escreveu depois de uma noitada de carnaval, num camarote animado de uma cervejaria na Sapucaí. Procurei muito, mas não encontrei a dita. Repito como me lembro, ciente de que a original era muito melhor. Vencido o périplo de Momo, ele abriu sua crônica dizendo que, naquele ambiente, quem não era bonito, ou era rico e famoso, ou era ele.

Verissimo é um homem gauche, que se define por negativas.

Numa cena que fiz com Marco Nanini, para uma série de televisão baseada n’A Comédia da Vida Privada, uma mulher descobria a lingerie da amante do marido, no porta luva do carro do casal. Ao ser inquerido sobre a dona da maldita peça, o homem, em desespero, diz que a dona é ele. – É minha, a camisola! – brada. Comovida, a esposa exige do companheiro, que ele realize as suas fantasias íntimas de maneira franca, diante dela, o que o obriga a passar a dormir de camisola para o resto de seus dias. Era uma pintura de cena. Triste e cômica sem o peso operístico da tragicomédia. O cordial Verissimo não é dado a histrionices. Não há dó de peito nele, não há mania de grandeza, é na timidez que encanta e opera. E como encanta, e como opera!"

Fernanda Torres, atriz e escritora

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Atriz - 1965 Foto: Denise Andrade / Estadão

* "Quando pequeno, via meus pais lendo jornal e não entendia: não era atraente para criança. Mas Verissimo foi a porta de entrada, pois ele exibia, além do humor, muita generosidade pelo leitor, criando um laço afetivo. Com isso, despertou o gosto pela literatura para muitas pessoas. Com seus esquetes perfeitos, impecáveis, Verissimo influenciou muitos humoristas, como nós, do Porta dos Fundos. Ele sempre leu muito bem a alma do brasileiro. Suas crônicas são o cânone do humor brasileiro."Gregório Duvivier, humorista

Gregório Duvivier. Foto: Silvana Garzaro/ESTADÃO
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