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Análise: Harold Bloom era um mestre que fez da literatura a religião dos desencantados

Até mesmo a 'angústia da influência' deriva da principal teoria freudiana sobre a relação entre pai e filho: se um jovem escritor sente-se bloqueado poder de seu predecessor, é natural que dessa relação resulte um amargo ressentimento

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Por Antonio Gonçalves Filho
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Harold Bloommorto nesta segunda-feira, 14, aos 89 anos — será sempre lembrado como autor da controvertida teoria literária elaborada em seu livro mais popular, A Angústia da Influência (1973). É provável que outros citem ainda O Cânone Ocidental (1994), em que ele analisa a obra de 26 grandes autores, de Shakespeare a Samuel Beckett.

Em ambos os casos, as preferências literárias de Bloom parecem ditadas pela preocupação de um professor universitário que fez da literatura uma religião sob o signo de Freud. Até mesmo a “angústia da influência” de que fala em sua obra deriva da principal teoria freudiana sobre a relação entre pai e filho. Se um jovem escritor sente-se bloqueado pela influência e poder de seu predecessor, é natural que dessa relação resulte um amargo ressentimento.

Harold Bloom em Nova York em 1990 Foto: Jim Wilson/The New York Times

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Ele não irá apagar esses traços – de resto indeléveis –, mas tentará reprimi-los. Antes de Bloom, o mundo literário costumava usar a palavra “alusão” quando os rastros de um gênio eram replicados por um escritor menor – e o próprio Bloom admitia sua bardolatria como uma espécie de religião secular, que o levou a tratar como santos seus poetas preferidos, entre eles Whitman (ele o chamava de “divino Walt”).

Até mesmo escreveu um livro fundamental para entender Shakespeare, Shakespeare: A Invenção do Humano (1998), alvo de ataques ressentidos por rejeitar leituras historicistas do bardo. Democrata, ele previu há 14 anos que as palavras do ex-senador Huey Long, assassinado em 1935, ainda seriam lembradas: “Claro que ainda teremos o fascismo na América, mas nós o chamaremos de democracia”.

Em tempo: disse isso em 2005, quando Bush assumiu seu segundo mandato. Acossado pela ignorância do americano médio, ele buscou refúgio nos gigantes da literatura dos EUA. Em seu santuário permanecem Emerson, Hawthorne, Whitman, Melville, Mark Twain e Faulkner, entre outros.

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