Americano Paul Beatty não se ilude com badalação tampouco assume missões

Premiado escritor é vencedor do Man Booker Prize

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Por Ubiratan Brasil
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Paul Beatty é um sujeito que luta contra as aparências. Primeiro americano a vencer o Man Booker Prize, em 2016, depois que o principal prêmio literário do mundo anglófono abriu para todos autores de língua inglesa, Beatty ascendeu ao panteão dos escritores conhecidos em todo planeta, mas o glamour não afetou seu humor. “Nos Estados Unidos, o prêmio ainda é pouco conhecido. Ou seja, continuo sendo o mesmo por lá”, disse Beatty ao Estado, em Paraty, sorrisinho no canto da boca, com um tom convincente em cada palavra.

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Beatty estará nesta quarta, 2, a partir das 19h30, no Centro Cultural São Paulo para falar sobre seu livro premiado, O Vendido (Todavia). Também conversa com a pesquisadora Djamila Ribeiro sobre literatura, raça e identidade. O encontro vai terminar com uma apresentação do rapper e poeta Rincón Sapiência.

Uma rara oportunidade para se conhecer o autor de um livro original. Afinal, o leitor é surpreendido a cada página graças a um humor incomum, por vezes cruel. “Pode ser difícil de acreditar vindo de um negro, mas eu nunca roubei nada” são as frases que abrem o livro e já dão o tom do que virá em seguida. O narrador é um morador de uma cidade próxima a Los Angeles que, depois de algumas reviravoltas, se transforma em dono de um escravo idoso, chamado Hominy, ex-ator mirim da série de curtas Os Batutinhas.

O autor. 'Trump está há seis meses no poder e nada fez' Foto: Ubiratan Brasil/Estadão

Hominy se torna escravo por vontade própria e, como “presente de aniversário”, seu “dono” separa os assentos de um ônibus, permitindo que o velho senhor tenha o prazer de ceder um lugar para um branco. Se o leitor ainda não perdeu o fôlego, será testado ao descobrir que um macaco se chama Baraka, referência direta ao ex-presidente Barack Obama. Parece que cada figura está lá, escondida entre os parágrafos, apenas esperando o leitor abrir o livro para então saltar sobre ele, como aqueles livros para crianças que projetam bruxas e princesas ocultas entre duas páginas.

“Gosto do humor, que acredito desafiante e incômodo. Só não gosto quando dizem que faço sátira - de forma alguma, sátira é algo muito limitador”, conta Beatty, cujo humor ácido na escrita luta e é derrotado por uma profunda bondade no trato pessoal. Aos 55 anos, professor de jovens, Beatty é um entrevistado natural, absorvente, que gosta de discorrer sobre vários assuntos, desde literatura (gosta), política (preocupa-se) e racismo (encara).

O mais curioso em Beatty é a indiferença que soa verdadeira - quando questionado sobre os efeitos provocados por sua escrita, especialmente quando usa palavras explosivas, como ‘nigger’ (criolo, na tradução brasileira), é taxativo: “Não escrevo para mudar o pensamento de ninguém, tampouco chocar. Na verdade, nunca fui essencialmente modificado por alguma obra, portanto, duvido desse tipo de força”.

Escrever, para o americano, é um ato laborioso, mas também oferece uma margem de manobra para se divertir. “Isso me ajuda também a pensar sobre o que significa ser confortável ou não e até questionar esse tipo de constatação. A ideia que tenho de conforto diz respeito a espaço, tanto físico como mental, para poder me expressar. E acredito que é sobre isso que trata O Vendido: um personagem tentado a criar um espaço para sim, metafórica e geograficamente.”

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De fato, Beatty tem o dom de descrever como a vida pode ser impiedosa para alguns, sem se desculpar pelo uso da violência, quando ela explode na nossa cara. Conta, para isso, com um humor implacável e uma escrita impecável. Basta voltar às primeiras frases do livro, que têm o dom de laçar o leitor em poucos segundos, repetindo a mesma sensação provocada por outras aberturas clássicas, como a biografia da cantora Billie Holiday, que começa assim: “Mamãe e papai eram um casal de garotos quando se casaram. Ele tinha 18 anos, ela, 16 e eu, 3”.

Beatty ri ao escutar a leitura desse trecho e confirma que o trabalho é árduo. “Levei quase dois anos até definir o início do livro. A partir dali, o resto ficou bem mais fácil”, diz. Questionado sobre a expectativa mundial que vem gerando o governo de Donald Trump, Beatty foi mais aberto do que durante a Flip, quando dividiu uma mesa com o jamaicano Marlon James. “Até agora, a marca desse governo é a falta de ação. Já se passaram seis meses com muita acusação, mas nenhuma ação. Isso é preocupante.”

O VENDIDOAutor: Paul BeattyTradutor: Rogério GalindoEditora: Todavia (318 págs., R$ 55)Lançamento: CCSP. Rua Vergueiro, 1.000. Debate com Djamila Ribeiro e show de Rincon Sapiência, às 19h30

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