Ao lado do pesquisador Paulo Cesar de Araújo, a advogada Deborah Sztajnberg vivenciou a tensão da era pré liberdade de expressão relacionada à publicação de biografias no Brasil. Seu cliente foi acusado de invadir a privacidade de um homem chamado de rei em 2006 ao lançar o livro 'Roberto Carlos em Detalhes'. Imediatamente ao lançamento, Roberto entrou com dois processos, um cível e outro criminal, reclamando seu direito de manter a história que havia vivido sob a jurisdição das próprias vontades. Se alguém a contasse um dia, esse alguém só poderia ser ele mesmo.
Deborah lutou com forças redobradas e venceu sua parte, fazendo a Justiça entender que não, Paulo Cesar não havia provocado perdas e danos a Roberto por ter acabado com o ineditismo de uma obra que o próprio artista queria lançar, dentre outras acusações. Foram oito anos entrando e saindo de tribunais até a última decisão. No criminal, Paulo não teve o mesmo desfecho. Em um estranho acordo feito entre a Editora Planeta, o autor e o biógrafo, ficou decidido que o livro sairia de circulação. Os editores, o juiz e Roberto saíram sorrindo do fórum. Paulo saiu às lágrimas. O caso serviu de espinha dorsal para a criação de um livro que expõe o cerceamento da informação e, por tabela, das biografias no País. Uma tese de doutorado que acaba de ser convertida na publicação comercial chamada 'Cala Boca Já Morreu: A Censura Judicial das Biografias'. Com linguagem embasada em argumentação jurídica, o livro se aproxima também do leitor comum, apenas interessado na discussão, ao usar casos de grande repercussão midiática, além da batalha jurídica travada com Roberto. O lançamento será nesta quarta (30), a partir das 18h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. A apresentadora Xuxa Meneghel está em um deles. Xuxa entrou na Justiça pedindo para que a empresa Google retirasse das buscas de seu arquivo expressões que a associasse a temas eróticos, como “nudez” e “pedofilia”. A decisão mais recente, no STF, deu ganho de causa ao Google, mas o uso do “direito ao esquecimento” foi uma discussão que veio à tona. Teria a apresentadora o direito a não ter mais menções à sua participação no filme 'Amor, Estranho Amor, de 1982', onde ela aparece em cenas de nudez e em sugestões de prática sexual com um adolescente? Para a advogada, o “direito ao esquecimento” não existe, apesar de ele estar presente em decisões de juízes. “Você não pode apagar a história. O melhor é pensar em seus atos antes de fazê-los, pensar se não irá se arrepender.” Ela acredita que a censura pode morar debaixo deste artifício jurídico. Em última análise, o “direito ao esquecimento” poderia também ser usado para biografados que não quisessem ter suas histórias contadas por terceiros, alegando que possíveis condenações criminais já seriam o suficiente para absolvê-los de seus pecados. Deborah não comemora tanto a decisão recente do STF, que liberou o feito biográfico do consentimento dos biografados. “Demos um passo importante, mas logo teremos juízes entendendo que biografias não devem sair porque estão ferindo a moral e os bons costumes.” Ela cita lançamentos de fora do Brasil para alertar sobre exemplos que, por aqui, ainda seriam proibidos. “Você viu o documentário da Amy Winehouse? Aquilo jamais sairia por aqui, com todas as menções às drogas que faz.” E evocando a tal liberdade de expressão, pode uma pessoa agir sem limites? Qual seria este limite? “Ela não pode usar a liberdade de expressão para dizer, por exemplo, que os negros deveriam ser escravos”. A liberdade de expressão, para a doutora Deborah Sztajnberg, termina quando ela bate à porta de um crime.