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'A Vida do Livreiro A. J. Fikry' é celebração do universo dos livros

Em 192 páginas despretensiosas, romance comprova a notável e vital influência que algumas histórias têm

Por João Marcos Coelho
Atualização:

Estamos, aos poucos, perdendo o hábito de ir a livrarias. Foi-se o gosto pela caça aleatória de novidades. Procurávamos um título e levávamos ao menos mais um ou dois que nos surpreendiam já na primeira folheada. Com certeza práticos, os e-books nos privaram do prazer de zanzar pelas estantes nas livrarias.

Por isso, é ótimo saborear A Vida do Livreiro A. J. Fikry, livrinho despretensioso de Gabrielle Zevin, de 39 anos, experiente no segmento juvenil. Ela acertou a mão ao celebrar este universo. Conta a história de uma pequena livraria e, de quebra, ultrapassa o nível da narração da vida, atribulações e sucessos de um livreiro. Concentra-se mais no poderoso efeito dos livros sobre todos os personagens, do livreiro a seu círculo afetivo e social, dos frequentadores e da cidade inteira.

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Para começar, nele nada é o que parece. Fikry está longe do espírito de business das grandes redes de megalivrarias atuais. Ele lê cada lançamento, e só coloca nas prateleiras da Island Books – na ilha Alice, endereço turístico em Massachusetts – o que lhe interessa. Recebe mal os divulgadores das editoras que o visitam, com destaque para uma tal de Amelia, que substitui seu divulgador preferido, recém-falecido.

A história, que poderia soar trágica, já que sua mulher acaba de morrer e ele está deprê, tem tantas reviravoltas que torna o ato de ler uma necessidade. Ele nos restitui o gosto de ler e acompanhar o roubo de uma rara primeira edição de um livro de poesias, o bebê que lhe deixam à porta, a paixão inesperada... 

Cada capítulo é pontuado com uma indicação de leitura de Fikry ao seu bebê crescido, a agora adolescente Maya. Como esta, sobre o conto de Mark Twain A Célebre Rã Saltadora do Condado de Calaveras: “História proto-pós-moderna de um apostador e sua amiga rã. O roteiro não tem nada de mais, mas vale a leitura por conta da diversão que Twain tem com a autoridade narrativa”.

Gabrielle, em entrevista na web, diz que “quando você entra numa livraria, não busca a sobrevivência, água ou comida; quer é expandir sua vida intelectual e emocional”. Simplório? Talvez porque a gente olhe mais quem fala do que o significado de sua fala. Gabrielle não é uma imponente intelectual. Mas vejam como Tzvetan Todorov, o celebrado pensador búlgaro, aborda certeiramente a mesma questão: “Amo a literatura porque ela me ajuda a viver (...). Ela me faz descobrir mundos e amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo” (A Literatura em Perigo).

Afinal, como o livro de Gabrielle atesta e Todorov indica, o “horizonte último” da leitura “não é a verdade, mas o amor, forma suprema da ligação humana”. Que o diga o nosso maravilhoso Ariano Suassuna: “Quem gosta de ler não morre só”.

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A VIDA DO LIVREIRO A. J. FIKRY

Autora: Gabrielle Zevin

Tradução: Flávia Yacubian

Editora: Companhia das Letras (192 págs., R$ 24,90) 

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