Zubin Mehta, carismático, teatral e vigoroso aos 74

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Por Crítica: João Marcos Coelho
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Mahler tinha razão ao descartar Blumine, a bela e doce canção nascida como música incidental e colocada a fórceps no segundo movimento de sua Sinfonia n.º 1. Ela sobreviveu apenas às três primeiras execuções públicas, entre 1889 e 1896. "Redescoberta" pelo pesquisador Donald Mitchell em 1966, foi regida isoladamente por Benjamin Britten no ano seguinte.São poucos, no entanto, os maestros que a incluem em concerto. Em gravações, o movimento costuma aparecer como bônus. Zubin Mehta a incorporou no concerto da última segunda-feira, na Sala São Paulo (ao contrário de anos atrás, em concerto em São Paulo com a Filarmônica de Israel). Bela em si, a "happy song" quebra, no entanto, a gigantesca arquitetura dos demais quatro movimentos, todos construídos sob o signo da ambiguidade. A linearidade cristalina de Blumine vira corpo estranho, rodeada de uma atmosfera que injeta angústia mesmo nos momentos mais extrovertidos, assim como ironia, ingenuidade e até luto.Mehta foi magnífico ao atribuir a cada um desses sentimentos contraditórios o seu peso relativo exato. Ou seja, nenhum predomina. Por isso mesmo, Mahler acertou ao suprimir Blumine. Aos 74 anos, o maestro mantém enorme carisma no pódio. Regendo sempre de cor - e antes de compartilhar sua visão muito pessoal de Mahler com a plateia -, abriu a noite com uma fogosa leitura da abertura de La Forza del Destino, de Verdi. Em curtos 7 minutos, Mehta transformou a orquestra da mais latina das cidades alemãs, Munique, numa autêntica sinfônica à italiana. Metais incandescentes, cordas ágeis, um senso teatral que nos fez querer adentrar na trama da ópera. Qualidades, aliás, que os excelentes músicos de Munique esbanjaram em Mahler.Em plena maturidade, Mehta foi ainda o parceiro perfeito para a jovem violinista japonesa Mayuko Kamio no concerto n.º 1 de Max Bruch, sua obra mais famosa. Aos 24 anos, ela ostenta em seu currículo a medalha de ouro do Concurso Tchaikovski de Moscou de 2007. Regra habitual entre os asiáticos, possui total domínio técnico do instrumento. Aliás, que instrumento: um Stradivarius de 1727 de raras, volumosas e calorosas sonoridades, que passou pelas mãos de Joseph Joachim, um dos maiores violinistas do século 19. Joachim foi decisivo na elaboração de dois dos concertos para violino mais conhecidos: o de Brahms e o de Bruch. Ambos os concertos foram dedicados a Joachim, quase co-autor oculto deles. O de Bruch soa mais mendelssohniano do que Brahms, beethoveniano de carteirinha, gostaria. Mas está recheado de momentos memoráveis. O mais curioso é o Allegro moderato inicial, em forma rapsódica livre, sem desenvolvimento, que desemboca sem interrupção no Adagio. Kamio, de seu lado, não se esgotou na técnica, felizmente.

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