Zé Celso encena "Esperando Godot" no Rio

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Por Agencia Estado
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Aos 64 anos, o diretor José Celso Martinez Corrêa promete mais uma vez surpreender e incendiar na montagem de Esperando Godot, de Samuel Beckett, que estréia na sexta-feira no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio. No elenco, estão Selton Mello e Otávio Müller, interpretando os vagabundos Estragon e Wladimir, Xando Graça e Fernando Alves Pinto, como Pozzo e Lucky, e ainda o menino Darlan, como o garoto que traz recados de Godot. O convite partiu da produtora Monique Gardenberg e pegou o diretor do Teatro Oficina em meio aos ensaios do espetáculo Os Sertões. A princípio nada parece estar mais distante de Zé Celso do que essa peça do Beckett, cujos personagens centrais depositam o único fiapo de esperança de suas vidas na vinda de um misterioso Godot - corruptela de God (Deus)? - que nunca aparece. Zé Celso tratou essa peça de forma muito especial na sua concepção do premiado espetáculo Cacilda!, sobre a atriz Cacilda Becker que morreu em 1969, em decorrência de um derrame provocado por um aneurisma, após ter desmaiado no palco, durante uma apresentação de Esperando Godot. Encenado 30 anos após a sua morte, Cacilda! foi concebido como um ritual de ressurreição da atriz e do teatro brasileiro. Porém, rediviva no palco do Oficina, Cacilda, metaforicamente, opta por não mais esperar Godot. Em vez disso, une-se ao elenco do Oficina na montagem de A Gaivota, de Chekhov, peça que significativamente contrapõe dois estilos teatrais. "Realmente nunca tive interesse em montar essa peça. Nunca esperei Godot em minha vida. Aceitei o convite porque gosto da Monique, embora meu coração tenha ficado um tanto dilacerado por ter de me afastar do Oficina nesse momento." Convite aceito, Zé Celso decidiu imprimir sua leitura à peça de Beckett. "Busquei um caminho diferente da visão existencialista e judaico-cristã dominante em todas as montagens dessa peça." Essa visão dominante a que se refere Zé Celso foi brilhantemente definida pelo crítico Décio de Almeida Prado, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 1955, por ocasião da primeira montagem do texto no Brasil, sob direção de Alfredo Mesquita. Segundo o crítico, Deus é o tema da peça. "Se há Deus, tudo se esclarece, tudo se simplifica, a vida adquire um sentido metafísico superior, provindo de um pensamento e de um propósito divino", escreveu. "E se não existe Deus?", continuava o crítico. "Os primeiros a propor essa questão - há dois ou três séculos - não perceberam bem a enormidade do que estavam pensando. Eram otimistas porque confiavam cegamente no homem e porque pretendiam sacrificar Deus - observou-o Sartre - sem sacrificar a crença em valores absolutos, eternos e universais, como se uma coisa não estivesse ligada à outra. Desaparecia Deus, mas, para todos os efeitos práticos e teóricos, era como se continuasse existindo. A nossa época, ao contrário, é a do ateísmo triste, do ateísmo que não se orgulha da sua falta de crença porque percebe que não há nada particularmente alegre e confortador na idéia do homem desamparado, só, perante um universo igualmente absurdo, vazio de qualquer significação." Meio século depois da criação da peça, Zé Celso propõe um avanço. E aposta num homem reconciliado com sua condição. Por isso, o palco será forrado de estrume de boi, numa referência ao minotauro, meio homem, meio touro, símbolo, para Zé Celso, de um homem que sabe trazer em si o torpe e o sublime, tudo o que outrora transferiu para os deuses. Nada a Fazer é a primeira fala escrita por Beckett. "Tudo a fazer", rebate Zé Celso. "Godot não vem, não há que se esperar nada e sim viver. Pode-se descobrir, com esses personagens, que não há essência, a vida é puro fluir", diz o diretor, que transformou o teatro de palco italiano do CCBB numa espécie de réplica do corredor do Teatro Oficina. "O Brasil vive em situação de espera e, enquanto isso, tudo vai se desmantelando, a esquerda vai para a direita, vem a crise, o apagão. Mas Godot não vem de maneira alguma", compara Zé. "E o Brasil está doido para deixar de esperar. Com fidelidade absoluta a Beckett, meu Godot se passa nos trópicos." Na peça há ainda Pozzo, que traz seu criado Lucky amarrado por uma corda. "Lucky é feliz porque tem um emprego", ironiza Zé. Os personagens não esperam Godot parados. "Beckett repassa toda a tradição do teatro ocidental, ele leva o mundo para o palco. Ele vai do minimalismo à tragédia, passando pelos silêncios cósmicos. Eu também faço isso. E respeito Beckett trazendo o universal dos trópicos para o palco." Esperando Godot - De Samuel Beckett. Direção de José Celso Martinez Corrêa. CCBB-RJ, rua 1º de março, 66, tel: (21) 3808-2020. Estréia na sexta-feira, para convidados. De quarta a domingoàs 18h. R$ 10. Até 23 de setembo.

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