Yasmina em ação

Mesmo festejada, a autora da peça Deus da Carnificina, em SP até julho, resiste ao status de celebridade

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Por Elaine Sciolino
Atualização:

Yasmina Reza é uma das dramaturgas mais bem-sucedidas do mundo, mas é com desconforto que carrega essa fama. Ela conta histórias engraçadas sobre o ano que passou viajando no encalço de Nicolas Sarkozy na campanha dele para a presidência em 2007. Mas basta fazer a ela uma pergunta pessoal para que a ansiedade da máscara de autora assuma o controle.Mistura de fragilidade e aço, Yasmina oscila entre a determinação em ser julgada somente por sua obra e o desejo de que esta seja apreciada. A publicação de sua nova peça, Comment Vouz Racontez la Partie (algo no estilo de Como o Jogo é Narrado), fez com que novamente ela tivesse de enfrentar uma repórter."Depois que escrevo, não tenho nada a dizer", afirma em entrevista no bar do hotel Lutetia, na Margem Esquerda. "Eu escrevo. E isso basta." Mas então ela tem algo a dizer e critica jornalistas invasivos. "Muitas vezes, uma entrevista parece um tribunal da inquisição. Ninguém quer saber da obra. Se não fosse obrigada a dar entrevistas, não participaria delas. Mas, se eu mesma não falar, logo aparece alguém para falar na minha ausência." Yasmina vive um bom momento. Em outubro será lançado o filme Carnage, adaptado e dirigido pelo seu amigo Roman Polanski, a partir da peça Deus da Carnificina, vencedora do prêmio Tony de 2009, em cartaz em São Paulo, com Deborah Evelyn, Julia Lemmertz, Orã Figueiredo e Paulo Betti.Com Kate Winslet, Jodie Foster, John C. Reilly e Christoph Waltz, Carnage foi rodado na França, um dos poucos países para onde Polanski pode viajar sem o risco de ser extraditado para os EUA. (O diretor, que mora na Suíça, ainda é procurado por um caso ocorrido 34 anos atrás envolvendo sexo com uma menina de 13 anos.) Além dos seus silêncios, Yasmina eletriza os leitores com informações parciais. Ela dedicou Dawn Dusk or Night, seu best-seller sobre a campanha de Sarkozy, a um homem que pode ter sido seu amante na época, um político identificado por ela apenas como "G".Houve na imprensa especulação de que "G" fosse Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor do FMI, que renunciou este mês após ser acusado de assediar sexualmente uma camareira de hotel em Nova York. Essa ideia surgiu porque o livro sugere que "G" era um socialista que sonhava em ocupar a presidência da França. Yasmina não quer comentar o assunto. A autora não tem página na rede, nem blog ou conta do Twitter e evita dar entrevistas à TV. "É degradante. Nunca nos dão tempo para falar." Quando fala, Yasmina entra num processo de mostrar-se e esconder-se de modo que o interlocutor nunca chega a conhecê-la completamente. Na maioria das vezes, ela responde com frases curtas. "Formidável." "Fantástico." "Incrível." Essas são as suas favoritas."A entrevista é um jogo. Para mim, é melhor ser misteriosa." Mas, com frequência, os personagens de suas peças perdem o controle e falam demais. Como no caso dos dois casais de Deus da Carnificina, sua sátira da classe média e do casamento, que se transformam em criaturas primitivas durante um intervalo de 90 minutos. Ou um outro par de casais, em Life x 3, que competem ferozmente sob o disfarce de uma noite sociável. Ou os três homens de sua peça anterior, Art, também premiada com o Tony, uma comédia na qual os amigos começam a brigar tão violentamente diante da compra de uma pintura feita por um deles a ponto de chegarem a questionar como puderam se tornar amigos, afinal.Essas peças têm em comum o tema da tensão entre a tristeza da solitária condição humana e as tentativas desajeitadas de encontrar consolo nos outros, uma aproximação muitas vezes fadada ao fracasso.Yasmina, de 52 anos, nasceu na França e tem dois filhos. É filha de um pai de ascendência judaico-iraniana e de uma mãe judia-húngara. Ela define seu humor como judaico e suas peças como tragédias. "São tragédias engraçadas, mas não comédias no sentido mais puro." Aparentemente, o conflito entre o silêncio e a natureza loquaz é tão profundo que ela fez da luta de uma autora para controlar a própria persona o tema de sua nova peça. How You Talk The Game é inspirada numa citação de The Big Room, uma coletânea de perfis de celebridades.Trata-se de intrincada obra psicológica centrada nas brincadeiras verbais e nas tensões que surgem numa conversa entre quatro pessoas. O importante não é tanto a realidade da ação, e sim a forma como a ação é descrita pelos personagens. A protagonista, uma romancista chamada Nathalie, participa de uma entrevista sobre o seu novo livro numa cidade francesa fictícia chamada Vilan-en-Volene.A entrevistadora, uma jornalista, insite em questões invasivas que inquietam a romancista. Quando perguntam a Nathalie por que ela aceitou o convite, sua máscara cai: "Eu digo a mim mesma, o que vai fazer em Vilan-en-Volene, não pode ir lá debater sobre um livro que vê desintegrar no momento em que alguém o menciona. E, ainda assim, não posso deixar de ir." Como Nathalie, Yasmina ao mesmo tempo se esconde e se revela sob camadas de lindas roupas. Muito magra, exala vulnerabilidade. Ela sempre usa salto alto. E insistiu em mantê-los enquanto acompanhava Sarkozy."Íamos a fazendas e corríamos aos aeroportos", lembrou ela. "A equipe da campanha dele me dizia para usar calça jeans e tênis confortáveis. Eu me recusei. Mesmo depois de caçoarem de mim, mantive o meu estilo." Nathalie se torna uma personagem estranhamente próxima a ela. "Não posso dizer que Nathalie sou eu, mas seria desonesta se dissesse que ela não tem nada a ver comigo."A peça Art, de 1998, o primeiro sucesso de Yasmina nos EUA, já foi encenada em mais de 30 idiomas. Não é o bastante. Ela fala de um sonho: ter uma de suas obras encenada no Comédie Française, em Paris. Garantiu ter "uma chance" de produzir lá a sua nova peça. "Estou em cartaz nos maiores teatros do mundo, mas ainda não cheguei aos grandes teatros franceses como o Comédie Française", disse ela. "Ele é um verdadeiro mito." / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALILQUEM ÉYASMINA REZADRAMATURGA, ATRIZ E ESCRITORANascida em Paris, em 1º de maio de 1959, cursou faculdade na capital francesa e depois estudou na escola de teatro do pedagogo e professor Jacques Lecoq. Logo em seguida, começou a trabalhar como atriz. Seu currículo como dramaturga inclui os prêmios Molière e Tony e peças como Conversations Après Un Enterrement (1987), La Traversée de l"Hiver (1989), Art (1994) e Trois Versions de la Vie (2000). Também é autora dos livros Uma Desolação e Arte, além de vários roteiros.

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