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Wolney de Assis leva "I Juca Pirama" ao palco

Ator desdobra-se em vários personagens para encenar poema de Gonçalves Dias sobre um índio cativo de uma tribo inimiga. Peça estréia em SP nesta sexta-feira

Por Agencia Estado
Atualização:

A carcaça de uma Kombi velha, um cocar, um cachimbo, um manto de dupla face - escasso cenário, poucos figurinos, pois o que realmente importa é o ator. Wolney de Assis ocupa sozinho o palco do Espaço Escada do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) a partir de amanhã (07) para divulgar os belos versos de Gonçalves Dias (1823-1864) do clássico I Juca Pirama. Nada de efeitos pirotécnicos, nem figurantes representando índios diversos: o espetáculo apóia-se no talento do ator para interpretar um contador indígena de histórias, que se desdobra em quatro personagens. "Ele tira importância até do silêncio", comenta o diretor Zeca Bittencourt, responsável pela concepção cênica. O longo poema consta de os Últimos Cantos, publicados em 1851, e se trata de um dos mais belos textos elaborados no romantismo brasileiro. I Juca Pirama significa "aquele que é digno de ser devorado" em língua indígena e conta o drama de um índio tupi aprisionado pela tribo timbira, que pretende devorá-lo. Costume dos índios daquela época, a antropofagia era um ritual de fortificação, pois se acreditava que a valentia do inimigo seria incorporada durante o ato de comer suas carnes. O jovem índio, porém, chora na iminência da morte, o que obriga os inimigos a desistirem do sacrifício. O velho cacique tupi corre em defesa do filho, mas, quando descobre sua covardia,termina por amaldiçoá-lo. O jovem Pirama, então, investe sozinho contra os timbiras e dá seus últimos suspiros nos braços do velho pai. "Gonçalves Dias era um apaixonado por Shakespeare e construiu seu poema misturando teatro e poesia", comenta Bittencourt, que optou por privilegiar a musicalidade da palavra. Foi dele a idéia de estruturar a narração inspirada no teatro japonês cabúqui, que se utiliza de objetos externos para contar uma história. Assim, a velha Kombi (símbolo da carroça moderna) é o lugar onde é guardado o material de auxílio para o índio narrar suas aventuras. "Trata-se de um texto que pede para ser falado, pois tem uma vocação dramática", constata Wolney de Assis que, além do contador de histórias, interpreta os personagens do poema: o índio velho, o jovem tupi e os caciques. A mudança será notada por meio da inflexão de voz do ator, além do uso de algum adereço, como cocar, colares e um enorme manto, em que cada face servirá para revelar tanto o cacique tupi como o timbira. Os figurinos de Márcia de Andrade caracterizam Wolney como o índio brasileiro de hoje, totalmente absorvido pela cultura urbana. "Tanto que o manto faz referência a Bispo do Rosário", comenta Bittencourt, atual coordenador artístico do TBC. Pesquisador da linguagem cênica que une fundamentos de Stanislavski, Meyerhold, Brecht, Artaud e Grotowski, o diretor preocupou-se com detalhes. Assim, uma fogueira natural será acendida a cada espetáculo, para contribuir para a narração das histórias. O cenário (de Gegê Leme), em forma de arena para representar o local dos sacrifícios indígenas, é forrado com areia. O palco reúne ainda bonecos mutilados, que simbolizam o genocídio cometido pelos brancos em 500 anos de história. Na trilha sonora, músicas resgatadas por Marlui Miranda vão compor o ritual das cenas. Tudo para servir o talento de Wolney de Assis, que gravou, em 1999, um CD com a narração de I Juca Pirama. Ator talentoso, que teve participação destacada em espetáculos do Teatro Oficina (Pequenos Burgueses), afastou-se dos palcos por mais de 20 anos devido a problemas políticos, voltando em 1998, com a montagem de Tio Vânia. "Sua interpretação é carregada de riquezas que valorizam o espetáculo", elogia Bittencourt, que inicia um trilogia sobre a dramaturgia dos séculos 19 e 20 - estão previstas em seguida as peças Viver! de Machado de Assis, e O Poeta e a Inquisição, de Gonçalves de Magalhães. I Juca Pirama. Drama. De Gonçalves Dias. Direção Zeca Bittencourt. Duração: 60 minutos. Quinta a sábado, às 19h30. R$ 10,00.TBC - Espaço Escada. Rua Major Diogo, 315, tel. 3115-4622. Até 27/10.

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