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Will Eisner e os <i>Protocolos dos Sábios do Sião</i>

Último trabalho do cartunista mostra como o livro espalhou ódio contra judeus

Por Agencia Estado
Atualização:

Acaba de sair, pela Companhia das Letras, O Complô - A História Secreta dos Protocolos dos Sábios do Sião, último livro do fabuloso cartunista americano Will Eisner (1917-2005), publicado originalmente no ano passado com o título The Plot: The Secret Story of The Protocols of the Elders of Zion. Eisner levou quase 20 anos para fazer o trabalho, que consiste numa investigação jornalística ilustrada e rigorosa sobre uma das maiores farsas históricas, o documento chamado Protocolos dos Sábios do Sião. Citado por Hitler, endossado pelo czar Nicolau II, o documento é uma infâmia anti-semita que tem origem prosaica: trata-se de um plágio grosseiro feito por um ´aspone´ soviético, Golovinski. Ele copiou (e copiou mal) um livro escrito em 1864 pelo francês Maurice Joly, O Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu. Fez isso com a intenção de dissuadir o czar a implementar reformas liberais, apoiadas pelos seus conselheiros judeus próximos, e criar divisão e ódio. Na Europa das décadas de 20 e 30, os Protocolos só eram um pouco menos populares que a Bíblia. ´Eu conhecia o livro, e por bastante tempo o releguei à biblioteca da literatura perversa, ao lado de Mein Kampf (de Adolf Hitler). Só então o li de fato e comecei a investigar a sua história´, contou Eisner. Eisner mostra como, mesmo depois de revelada a verdade pelo jornal London Times, cujo repórter recebeu o original de um exilado russo (outras publicações depois também mostraram a farsa), os pressupostos racistas e reducionistas dos Protocolos continuaram sendo usados e recitados por fascistas de todos os recantos do planeta. Os diários pessoais de Joseph Goebbels, o propagandista de Hitler, trazia uma tradução dos documentos. Até o magnata Henry Ford, da fábrica de automóveis, entrou na onda: publicou os textos em capítulos no seu jornaleco, o Deaborn Independent. Ford só se retratou em 1926, depois de ameaçado de processo por calúnia. Cartunista é personagem Em 1964, o Senado dos Estados Unidos divulgou um relatório condenando a reprodução contínua dos falsos documentos. Em 1993, Eisner desenha a si próprio indo a uma biblioteca na Califórnia para pesquisar. ´Estou escrevendo uma graphic novel que vai revelar a verdadeira origem dos infames Protocolos do Sião. Espero que alerte a todos os que não sabem da falsificação´, ele diz ao atendente. O rapaz retruca: ´Rá! Boa sorte! Você está lidando com um antigo vampiro que não morre, apesar de todas as provas absolutas da fraudulência.´ Essa sempre foi uma arma do velho cartunista: colocar-se no papel de personagem, misturar os fatos de sua vida aos fatos de sua imaginação e deixá-los a serviço de alguma verdade: a da História, nesse caso, mas também a da dignidade humana, da grandeza dos pequenos personagens, da formidável dinâmica dos fatos cotidianos. Magnífico trabalho, sobre o qual Umberto Eco, no prefácio, prevê: "Acredito que - apesar desse corajoso, e não cômico mas trágico livro de Will Eisner - essa história está longe de terminar. Ainda assim, é uma história que merece muito ser contada, porque devemos combater a Grande Mentira e o ódio que ela cria." Will Eisner criou o conceito de romance em quadrinhos (graphic novel) em 1978, quando publicou Um Contrato com Deus e Outras Histórias de Cortiço, lançada no Brasil pela Editora Brasiliense. Ele disse que O Complô representava para ele ´um afastamento´ das simples histórias em quadrinhos. Bom, simples é modéstia. Todas suas obras são obras-primas. Mas é compreensível o que quer dizer: a pesquisa desse trabalho se aproxima de uma grande reportagem.

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