O sobrado de número 546 da Rua Lopes Chaves parece ter sido construído para abrigar criações artísticas. No início do século passado, serviu de residência para Mário de Andrade - e assim foi tombado como patrimônio histórico em 1975. Nos anos 90, recebeu a população para cursos e palestras como a Casa da Palavra. Hoje, seus cômodos e corredores serão palco da peça A Casa Antiga, de Eduardo Ruiz, com direção de Ruy Cortez. Wanda Stefânia - que comemora 35 anos de carreira teatral - é a protagonista da peça. Uma matriarca castradora e amargurada que tranca suas cinco filhas em casa para plantar flores e as priva de qualquer relação com o mundo exterior. "É uma aventura quixotesca", diz Wanda, com seu jeito entusiasmado. "O texto é extremamente cruel, belo e humano. Uma grande utopia em um mundo de inversão de valores." As filhas são interpretadas por jovens atrizes, mas com experiência teatral. A única exceção é Julia Ianina, de 19 anos, que estréia no teatro profissional. A moça, bonita e extrovertida, arranca elogios do diretor e da veterana Wanda. "Julia é de um talento extraordinário. Sua intensidade chega a arrepiar", derrete-se Wanda. Camila Bolaffi, de 36 anos, faz Aquiléia, a filha mais velha, criada para ser freira, que carrega consigo toda a amargura da casa e da mãe. Carol Badra, de 28 anos, faz Luzia, a filha do meio estigmatizada pela família como a "boba". Victória Camargo, de 31 anos, é Virgília, a filha que deveria ter sido abortada. Eloísa Elena, de 33 é Serena, a poeta que sofre preconceitos dentro de casa por ser lésbica e alimentar uma paixão platônica pela irmã mais nova, Alva, vivida por Julia. A profundidade da peça pode ser percebida com a descrição dos estigmas dos personagens, mas é intensificada pela forma como é apresentada. Não há um palco. O espetáculo é itinerante. O público acompanha a movimentação das personagens, que fazem a primeira parte das cenas na sala de jantar, depois seguem para o hall dos quartos no andar de cima e, por fim, descem ao porão. "O público pode perceber os vários universos presentes na casa. A sala é onde acontecem os rituais e tradições familiares, o quarto guarda a intimidade de cada pessoa e o porão simboliza o subterrâneo, o que é ruim, proibido", explica Cortez, que já havia feito parceria com Ruiz em Ophélias. Ele conta que A Casa só ganhou esse formato depois de alguns meses de ensaio. "Percebemos que um palco tiraria a intensidade da peça, a transformaria em algo teatral no sentido mais artificial da palavra." A Casa Antiga. Oficina da Palavra - Casa Mário de Andrade - Rua Lopes Chaves, 546. tel.: 3826-4085. De quinta a sábado, às 21h e domingo, às 20h. Ingressos: R$ 20.